Isaac Schrarstzhaupt é o cientista coordenador da Rede Análise Covid-19, um grupo multidisciplinar que coleta e analisa dados sobre a pandemia que vivemos no Brasil. E é ele que alerta: o crescimento de casos e de mortos por coronavírus pode ser ainda maior com as festas de fim de ano.
O país já apresenta (sábado, dia 19) 7.213.155 casos (é o terceiro do mundo), com 186.356 mortes. As vítimas diárias da infecção não atingiam esses índices há mais de dois meses. A média móvel de óbitos – soma de todas as confirmações dos últimos sete dias, dividida por sete – chegou a 723, pior resultado em quase três meses. No sábado, dia 19 de dezembro, foram 706 novas mortes e foram 50.177 os novos casos notificados. Com isso, já são mais de 185 mil vidas perdidas e mais de 7 milhões e 200 mil infectados pelo coronavírus (Covid-19) desde o início, em março, da pandemia, essa “gripezinha” de Bolsonaro.
O pior de tudo é que ainda não há previsão de mudanças de rumo na condução da pandemia (e a mudança na condução do país só em 2023...). A situação pode se agravar, com resultados ainda mais trágicos para começar 2021. Isaac Schrarstzhaupt alerta que o crescimento de casos e de mortes (que pode ser ainda maior após as festas de fim de ano com as aglomerações previstas) tem o risco de ser seguido por um pico de notificações da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) que acontece todos os anos, a partir da 7ª semana do ano, de 9 a 15 de fevereiro.
Isaac explica que a SRAG tem um “comportamento padrão”, em que os casos costumam disparar da 7ª até a 15º semana, até por conta da mudança de estação climática para o outono. Dados do sistema Infogripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que a queda de notificações se acentua de vez por volta da 26ª semana, atingindo baixos níveis em novembro e dezembro – uma tendência que não se concretizou em 2020 por conta da pandemia, que, ao contrário, fez disparar os casos de SRAG, principalmente a partir da 43ª semana epidemiológica.
Em seu twitter, Isaac Schrarstzhaupt já havia alertado que, ao manter esse número elevado, o risco é de “catástrofe”, caso esse aumento permaneça até as semanas 7 a 12 de 2021 (quase o fim de fevereiro). “Se estamos com 900 óbitos (de Covid-19) por dia agora (em dezembro), poderemos ter três vezes mais no início de 2021. Ou seja, em torno de 2.500 óbitos, como os Estados Unidos”, projetou o coordenador da Rede Análise Covid-19.
Jovens contaminados Esse crescimento do número de casos acompanha não apenas o relaxamento da quarentena, mas também uma mudança no perfil de infectados. Em São Paulo (cidade), por exemplo, desde outubro, são os mais jovens que passaram a ser os responsáveis pela maior parte das infecções e internações em decorrência da Covid-19. Conforme reportado pela RBA, os pacientes dos 20 aos 39 anos representam atualmente 40% dos casos.
De março a novembro, o principal volume de internações era de pacientes que tinham entre 55 a 75 anos. O grupo ainda representava 77% dos infectados com quadros graves que compuseram as principais estatísticas de mortalidade da Covid-19. O cenário é semelhante em outras capitais brasileiras, como Belo Horizonte, que vêm concentrando casos na parcela jovem da população. O que também tem contribuído para um percentual menor de óbitos. Em São Paulo, eles representam 3,6% das mortes contabilizadas. Mas existem algumas implicações no alto grau de contaminação dos jovens. Esse é o grupo com maior mobilidade, eles frequentam festas e bares e, como ficam com poucos sintomas, continuam andando por aí. O Natal e o Ano Novo ainda costumam reunir todas as gerações da família, avôs, avós, tios, mães, bisavô, tataravô, etc. E isso pode levar a um efeito cascata da contaminação, até chegar nos idosos, que começam o pico de óbitos e aí os hospitais lotam mais”, prevê.
Canadá, trágico exemplo O coordenador da Rede Análise Covid-19 compara a situação ao surto de casos do novo coronavírus no Canadá. Sete dias após o Dia de Ação de Graças, o Thanksgiving, no dia 12 de outubro, a taxa de transmissão do vírus passou de 1,04 para 1,18. Sendo que, quanto maior o número, cada infectado transmite a doença para mais pessoas. Algumas províncias canadenses já decretaram um novo lockdown.
“E a situação do Brasil é que já estamos chegando perto desse pico de óbitos mesmo antes das festividades de fim de ano. Se a projeção seguir o que aconteceu no Canadá podemos ter uma explosão de casos e de óbitos em janeiro”, aponta Isaac.
Só distanciamento salva Segundo ele, o risco de transmissão dos jovens para os idosos e a emenda com o pico de SRAG podem também se acumular com a situação de calamidade de algumas unidades de saúde. Em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde o cientista de dados vive, diretores dos seis hospitais da cidade e o prefeito Flávio Cassina (PTB) declararam, nessa quinta, o colapso da rede hospitalar e apelaram para que a população adote as medidas de prevenção ao coronavírus.
Isaac contesta a estratégia. “Essa é uma doença social, ela ataca a sociedade como um todo”, diz. Isso torna, segundo ele, insuficiente o apelo das autoridades para comportamentos individuais. Para o cientista de dados, a mídia e os líderes governamentais precisam rediscutir a importância das medidas de distanciamento social, deixadas em segundo plano diante da possibilidade de uma vacina contra a Covid-19. “Temos que lembrar às pessoas que precisamos ter a menor mobilidade possível. Que precisamos fazer apenas o essencial (fora de casa) e com cuidados de máscara, higiene, distanciamento físico, preferir o trabalho remoto, se for possível”, sugere.
“Essa pandemia é como se estivéssemos presos numa ilha e nossa vida estivesse fora dela. Estamos presos, mas conseguimos o resgate, entramos em contato e eles vão nos buscar, que nesse caso é a vacina. Só que vai demorar para chegar o resgate e está vindo um tsunami e esse tsunami vai chegar antes do resgate. Então o que temos que fazer é nos protegermos o máximo possível desse tsunami, antes do resgate chegar, para as pessoas estarem vivas. Para que, quando chegar o resgate, nós não termos perdidos mais um monte de vidas com esse tsunami”, compara Isaac Schrarstzhaupt.