09/12/2020 às 11h07min - Atualizada em 09/12/2020 às 11h07min

ONU ATACA BOLSONARO

“GESTÃO DEVASTADORA”, DIZ BACHELET


Verónica Michelle Bachelet Jeria é médica e ex-presidente do Chile (2009-2010//2014-2018).
Atualmente, é alta comissária da ONU para Direitos Humanos. É com essa autoridade que ela critica a gestão bolsonárica da pandemia no Brasil. Atacou o comportamento do governo em temas de proteção ambiental e alerta que as autoridades precisam reconhecer a existência do racismo no país. Para ela, minimizar a gravidade da pandemia teve um impacto negativo na resposta do estado à crise.
Ela ainda condenou a politização da pandemia e questionou líderes que, mesmo hoje, insistem em minimizar a doença. Para Bachelet, tal atitude é "irresponsável".
 
A chefe de direitos humanos da ONU deu uma entrevista coletiva nesta quarta-feira, dia 9, às vésperas do Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de Dezembro). Em resposta a uma pergunta de Jamil Chade (UOL), sobre a pandemia no Brasil, ela alertou fortemente sobre a dimensão da nossa crise sanitária. "A Covid-19 teve um impacto devastador no Brasil. Teve em toda a América Latina, mas em especial no Brasil. Vimos um impacto desproporcional em grupos em situação vulnerável, como pessoas vivendo na pobreza, afro-descendentes, LGBTI, pessoas privadas de sua liberdade e pessoas vivendo em locais informais", disse.
"É fundamental garantir comunicação institucional confiável sobre o vírus e seu impacto". Ela criticou "declarações de líderes subestimando o impacto do vírus", que tiveram um "impacto negativo na resposta institucional à pandemia".
 
Sobre o comportamento de Bolsonaro, ela explicou que, tradicionalmente, prefere não dar nomes em suas declarações. "Mas vou ter de dizer que, em todos os países do mundo onde líderes negaram a existência da Covid-19 e as evidências científicas, o efeito foi devastador. Isso ocorreu em muitos países. Não apenas no Brasil", disse.
 
"Isso é terrível. Líderes precisam dar exemplo. Precisam guiar as pessoas", afirmou em referência às recomendações da OMS sobre o uso de máscaras, distanciamento social e outros aspectos científicos. "Se líderes não fazem isso, não darão o melhor exemplo. Primeiro, vão se infectar, como de fato ocorreu para alguns. Mas, em segundo lugar, não ajudam a resposta do país a uma pandemia como a Covid-19. Portanto, eu acho que qualquer líder que negue a pandemia e a ciência não tomou o melhor caminho. Não vai funcionar", insistiu, em momento que certamente as orelhas de Bolsonaro queimaram.
 
Bachelet ainda comparou a situação africana com a sul-americana. "Às vezes, países não têm todos os recursos econômicos ou os hospitais não têm todas as possibilidades. Mas, quando se dá uma orientação clara para o povo, eles podem evitar contrair a doença", disse. "Na África, há falta de recursos. Mas com a experiência do ebola, a comunidade se organizou e soube responder", disse Bachelet, lembrando o número menor de casos na África.
 
"Espero que líderes no Brasil deem exemplo para o povo. Isso é muito importante", afirmou.
“As pessoas precisam estar envolvidas nas decisões e entender, precisam de confiança nas instituições. Espero que no Brasil os líderes possam ser mais abertos ao que a ciência nos diz", completou.
 
Racismo estrutural e destruição da Amazônia
 
Bachelet ainda traçou um cenário preocupante sobre a situação do racismo no Brasil, que qualificou como estrutural. Para ela, está na hora de as lideranças no país reconhecerem sua existência, como primeiro passo para poder lidar com o fenômeno.
As críticas de Bachelet foram feitas depois que, diante da morte de uma pessoa num Carrefour, tanto Bolsonaro como o vice Mourão indicaram que não existia racismo no país.
 
"Estou preocupada com o racismo, discriminação estrutural e violência que persistem", disse Bachelet. Segundo ela, dados oficiais mostram que afrobrasileiros são afetados de forma desproporcional por homicídios e que essa população, mulheres, está super-representada nas prisões.
"Os afro-brasileiros estão excluídos ou são quase invisíveis em tomadas de decisão e em instituições".
"Representantes do governo têm uma responsabilidade especial em reconhecer o problema do racismo persistente no País. Isso é o primeiro passo para solucioná-lo", afirmou.
 
Bachelet ainda completou sua avaliação sobre o Brasil alertando sobre o fato de estar "preocupada com a destruição ambiental na Amazônia e no Pantanal". O mecanismo que existe atualmente para garantir a proteção do meio ambiente no país precisa ser fortalecido e financiado de forma adequada", defendeu. "A atuação independente da sociedade civil trabalhando na Amazônia sem a interferência indevida do governo precisa ser garantida", indicou, num recado aos gestos do governo para enquadrar o trabalho de ONGs.
 
Ela atacou de um modo geral os governos que se recusam a reconhecer a dimensão da crise. "Muitos governos não agiram de forma suficientemente rápida ou decisiva para deter a propagação da Covid-19. Outros se recusaram a levá-la a sério, ou não foram totalmente transparentes sobre sua propagação", denunciou, sem citar nomes.
"Surpreendentemente, mesmo até hoje, alguns líderes políticos ainda estão minimizando seu impacto, desacreditando o uso de medidas simples como o uso de máscaras e evitando grandes reuniões. Algumas figuras políticas estão até mesmo falando casualmente de "imunidade do rebanho", como se a perda de centenas de milhares de vidas fosse um custo que pode ser facilmente arcado em prol de um bem maior. Politizar uma pandemia desta forma é, além de irresponsável, totalmente condenável", em ataque que acerta Bolsonaro em cheio.
"Pior ainda, em vez de nos reunir, a resposta à pandemia levou, em alguns lugares, a uma maior divisão. Evidências e processos científicos foram descartados, e teorias conspiratórias e desinformação foram semeadas e permitidas - ou encorajadas - a prosperar".
Para Bachelet, um dos impactos desse comportamento de líderes na crise sanitária será sentida na confiança entre o cidadão e o estado.
"Essas ações enfiaram uma faca no coração daquele bem mais precioso - a confiança", disse. "Confiança entre as nações e confiança dentro das nações. Confiança no governo, confiança nos fatos científicos, confiança nas vacinas, confiança no futuro. Se quisermos criar um mundo melhor após esta calamidade, como sem dúvida nossos ancestrais fizeram após a Segunda Guerra Mundial, temos que reconstruir essa confiança uns nos outros", pediu e, nessa hora, mesmo distante, as orelhas de Bolsonaro ficaram quentes e mais vermelhas.
Ela ainda destacou como a Covid-19 mostrou a incapacidade da sociedade em defender direitos básicos. "Não apenas porque não pudemos, mas porque negligenciamos - ou optamos por não fazê-lo", afirmou.
"O fracasso de muitos países em investir o suficiente na saúde universal e primária, de acordo com o direito à saúde, tem sido exposto como extremamente míope", afirmou. Para ela, se tais medidas preventivas exigiam investimentos elevados, a falta de ação se provou como algo ainda mais caro.
 
Bachelet destacou também como, durante a pandemia, uma vez mais as pessoas mais vulneráveis foram as mais atingidas. "Tem sido chocante, mas, infelizmente, não surpreendente, ver a desproporcionalidade da Covid-19 em indivíduos e grupos que são marginalizados e sofrem discriminação - em particular pessoas de ascendência africana, pessoas de minorias étnicas, nacionais ou religiosas, e povos indígenas", disse.
"Este tem sido o caso em alguns dos países mais ricos do mundo, onde a taxa de mortalidade de algumas minorias raciais e étnicas tem sido até três vezes maior do que a da população em geral", destacou.
 
"Os membros de grupos discriminados e povos indígenas foram expostos em excesso ao contágio, devido a seu trabalho mal remunerado e precário em indústrias específicas. Muitas das pessoas que de repente começamos a reconhecer e a referir como essenciais - trabalhadores da saúde, limpadores, trabalhadores do transporte, funcionários de lojas - vêm de tais minorias", apontou. "Nos últimos 11 meses, os pobres se tornaram mais pobres", disse com muita precisão.
“É preciso garantir vacina contra a pobreza e a fome – isso se chama direitos humanos”.
 
Leia mais em Jamil Chade / UOL.

 
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