10/05/2020 às 14h57min - Atualizada em 10/05/2020 às 14h57min

ENTRE O EMPREGO E A VIDA

O ENIGMA DO CORONAVÍRUS


A Globonews exibiu ontem, dia 9, um ótimo debate, colocando frente a frente (ou alive x alive...), o ex-ministro da Saúde, deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM), e o atual ministro, deputado Osmar Terra (MDB), além do senador Humberto Costa (PT). É verdade que o embate entre o ex-ministro da Saúde e o atual ganhou maior foco, mas houve também excelente participação de Humberto Costa e da equipe da GloboNews. Ficar ou não ficar em quarentena para enfrentar a ameaça do coronavírus (Covid-19). Obviamente, Osmar Terra ficou isolado. Mandetta, Humberto Costa e a moderadora da GloboNews, Cristiana Lôbo, alinharam-se em defesa da quarentena anti-coronavírus.
 
A questão da vida, evidentemente, está em primeiro lugar. A necessidade de fazer quarentena para salvar vidas sobrepõe-se à necessidade do emprego. Mas essa não é uma decisão tão simples de tomar. The Guardian traz, na sua edição de hoje, dia 10, uma reportagem bem interessante (“’Não podemos ficar em casa': como o estado mais pobre dos Estados Unidos da América está tentando reabrir”) colocando a questão em pauta.
 
O Estado do Mississippi resolveu seguir a sugestão de Trump e está tentando relaxar na quarentena (exatamente agora, quando o estado alcançou o seu maior número de infectados e de mortes por coronavírus...). No início desta semana, o governador republicano, Tate Reeves, permitiu que os restaurantes tivessem refeições em meia capacidade, que as lojas reabrissem com restrições e que grupos de até 20 pessoas pudessem se reunir fora de casa. Mas isso não ajudou a reduzir o número de casos de coronavírus no estado.
Três dias antes das últimas orientações do governador, o Mississipi anunciou o seu maior número de infectados diários e de mortes. Na sexta-feira, dia 8, a contagem foi de 396 mortes – que está longe de ser uma das piores da América, mas que certamente aumentará. Outros estados do Sul, incluindo Geórgia, Texas e Flórida, também já relaxaram, apesar do crescente número de casos.
 
No início desta semana, há informações vazadas dos Centros Federais de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) indicando que a mudança para o relaxamento poderia levar, em 1º de junho, a um número de mortos de 3.000/dia, um aumento de quase 70% nos índices atuais.
Apesar de muitas pessoas praticarem isolamento social, outros fazem fila, sem máscaras e sem manter distância, na barraca de aluguel de jet ski da Life's a Beach.
"Acho que não sabemos o suficiente sobre o vírus", disse Shannon Carrou, trabalhadora de cassino desempregada. "Não podemos ficar em casa para sempre".
 
Mark Bresset, que trabalha em transporte e viajou 260 quilômetros desde o centro do Mississippi, argumentou - sem evidências - que o número de mortos havia sido "inflado".
"As pessoas vão morrer e ponto", disse ele. "Eu sinto muito, é assim que as coisas acontecem. Para pessoas em certas áreas, estar sempre lembrando esses números de mortes impede as outras pessoas de tomarem uma decisão por si mesmas”.
 
Um tempo muito assustador
Lee Price, 45 anos, que se mudou para a cidade há dois anos para trabalhar como cozinheiro, fez uma careta ao descrever o momento, há um mês, quando Reeves anunciou uma ordem de permanência em casa - tardiamente, aos olhos de muitos - que o levou a perder o emprego. Dezenas de milhares em Biloxi, onde 25% da economia depende do turismo, tiveram o mesmo destino.
"Foi muito assustador, um sentimento muito desconfortável", disse Price. "Eles nos mandaram para casa com caixas de comida".
 
O Mississippi é o estado mais pobre da América: antes da pandemia, 20% viviam abaixo da linha da pobreza e 600.000, dos 2,9 milhões de habitantes, tinham acesso limitado a alimentos saudáveis.
 
Eu tenho que cuidar da minha família. Eu apenas tenho que depositar minha fé em Deus.
O desemprego atingiu Price - um pai solteiro de três filhos, que vive do salário - como um soco no estômago. Ele já teve problemas de moradia e de vício, e isso voltou à sua memória. Passa horas no telefone, todos os dias, tentando, em vão, reivindicar benefícios de desemprego. Acontece que o órgão que cuida do emprego está sobrecarregado, com uma média de 46.000 novos pedidos por semana. Price chegou a receber um cheque de estímulo federal de US $ 1.200 (cerca de 7.000 reais), mas não foi o suficiente (aqui no Brasil, Bolsonaro repassa 4.000 reais, cerca de 685 dólares). Ele e seu filho de 14 anos passaram a cortar a grama por US $ 20 por vez e confiam na bondade dos vizinhos. Price está doido para voltar ao trabalho, apesar dos riscos óbvios.
"Não tenho tempo para me preocupar com isso", disse ele. “Eu tenho que cuidar da minha família. Eu só tenho que depositar minha fé em Deus”.
 
"O sol está brilhando, o verão está aqui"
O prefeito de Biloxi, Andrew "FoFo" Gilich, republicano, disse que a reabertura estava sendo executada com responsabilidade e argumentou que o número de casos de coronavírus na região já havia caído. (Ele não passou dados específicos da cidade, mas o município não registrou novas mortes na semana passada.)
"O sol está brilhando, o verão chegou", disse ele. "Sabe, tenho que fazer algumas coisas para manter nossa sanidade e nosso modo de vida”. E acrescentou: "A cura não pode ser pior do que o problema", repetindo slogan de Trump. Que, aliás, nesta semana, reconheceu que a reabertura provavelmente custaria mais vidas.
"Temos que ser guerreiros", disse Trump na quarta-feira. "Não podemos manter nosso país fechado por anos."
 
Nem todos em Biloxi, que deram 64% dos votos a Trump em 2016, sentem o mesmo.
Lea Campbell, uma profissional de saúde e coordenadora comunitária da Campanha dos Pobres, descreveu a decisão de reabrir como "um reflexo ideológico de colocar a economia antes da saúde pública".
"É irresponsável e improdutivo", disse ela.
Campbell é fisioterapeuta de um hospital, trabalhando exclusivamente com pacientes de coronavírus, alguns que estão se recuperando de doença grave. Ela reconheceu que o número de casos diminuiu nos últimos dias, mas argumentou que a pausa deve reforçar a necessidade de manter a cidade fechada.
"As pessoas estão tomando uma decisão deliberada de colocar outras pessoas em risco, e eu vi as consequências disso", disse Campbell, enquanto uma brisa suave pairava sobre seu jardim. "Se eles tivessem visto o que eu vejo, acho que o comportamento deles seria diferente".
 
The Guardian

 
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