26/03/2020 às 18h24min - Atualizada em 26/03/2020 às 18h24min

​THE ECONOMIST CHAMA BOLSONARO DE BOLSONERO

DIZ QUE ELE TRATA A PANDEMIA COMO SE FOSSE UMA FUNGADA

 
A primeira pessoa a morrer de coronavírus (covid-19) no estado do Rio de Janeiro foi uma empregada de 63 anos que se deslocava semanalmente para um apartamento à beira-mar no Leblon, o bairro mais caro do Brasil. Sua empregadora havia retornado recentemente da Itália. A empregada, que tinha diabetes e pressão alta, morreu no dia 17 de março em uma cidade (Miguel Pereira) a 100 km do Rio, onde ela e cinco parentes dividiam uma casa de blocos de concreto. Vários funcionários do hospital ficaram doentes desde então.
Se o vírus na Itália pula entre gerações vivendo juntas, no Brasil ele começa pulando entre classes, socialmente distantes, mas fisicamente próximas. Um vetor pode ser o presidente populista Jair Bolsonaro. Em 15 de março, depois que seu secretário de comunicações deu positivo para o vírus, ele ignorou as ordens de quarentena e tirou selfies com os fãs. Quando o primeiro brasileiro morreu de coronavírus no dia seguinte, ele denunciou "histeria" sobre o vírus.
Outros líderes são menos complacentes. Votando remotamente pela primeira vez, os congressistas proclamaram um "estado de calamidade", que permite ao governo violar os limites constitucionais de gastos. Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, quer gastar pelo menos 400 bilhões de reais (US $ 80 bilhões, ou 4% do PIB) para ajudar o sistema de saúde e a economia. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não é um ideólogo, ao contrário de muitos de seus colegas de gabinete. Governos municipais e estaduais estão impondo medidas de isolamento - São Paulo e Rio de Janeiro têm bloqueios totais - e transformando estádios de futebol em hospitais. Universidades e laboratórios particulares estão desenvolvendo testes do coronavírus. As empresas estão doando materiais para sua produção. A maior cervejaria do Brasil (AMBEV) está fazendo desinfetante para as mãos (na fábrica de Piraí, RJ).

Mas os que lutam contra a doença devem ocultar os sinais de um presidente que continua a menosprezar seus esforços. Em 25 de março, ele mandou Mandetta parar de pedir distanciamento social em larga escala. Em um discurso televisionado em 24 de março, ele pediu aos governos locais que abandonassem as estratégias de “terra arrasada” para fechar escolas e lojas e criticou a mídia por espalhar “a sensação de medo”.

No momento da publicação desta edição de The Economist, o Brasil tinha 19 mortes e 2.554 casos confirmados. Mas o teste tem sido limitado principalmente a pacientes no hospital. O número verdadeiro é provavelmente muito maior. Respostas fragmentadas dos governos e do setor privado não evitarão o desastre. Climas quentes como o brasileiro podem retardar a transmissão do vírus, diz um novo estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Caso contrário, “não há fatores atenuantes”, diz Paulo Chapchap, do hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Hospitais particulares como o dele estão sobrecarregados, porque os pacientes atuais tendem a ser pessoas ricas que pegaram a doença no exterior ou seus familiares. À medida que migra para as massas, pode rapidamente sobrecarregar o sistema de saúde pública, que serve quatro quintos da população.
 
O SUS (Sistema Universal de Saúde do Brasil) atende mais pessoas do que qualquer outro sistema totalmente gratuito no mundo, mas o país gasta apenas 3,8% do PIB nele. A Itália gasta 6,7% do PIB; Alemanha, 9,4%. O sistema público do Brasil possui apenas sete leitos hospitalares para tratamento intensivo por 100.000 pessoas, quase todos ocupados por pacientes não cobertos. A demanda por leitos de tratamento intensivo em algumas cidades do exterior se aproximou de 25 por 100.000 durante a pandemia. Mandetta alerta que o sistema pode "entrar em colapso" em abril.

O Instituto de Estudos de Políticas de Saúde do Rio calcula que o governo precisaria gastar R$ 1 bilhão para cada 1% da população infectada, a fim de tratar todos os casos graves. O governo aprovou cerca de 10 bilhões de reais em gastos extras, um aumento de um décimo, mas provavelmente muito pouco. "A previsão é catastrófica", diz Miguel Lago, diretor do instituto.

Até o governo atingir sua meta de testar 30.000 a 50.000 pessoas por dia, o que pode levar meses, os bloqueios são a única maneira de retardar a transmissão. Isso é especialmente difícil nas favelas. Esses assentamentos informais abrigam 13 milhões das 211 milhões de pessoas no Brasil, incluindo um quinto das pessoas no Rio. Eles são densamente compactados e muitos não têm água corrente. Por enquanto, organizações de base, e não o governo, estão realizando campanhas de saúde pública. Os organizadores da Maré, no Rio, sugerem a quarentena de pacientes com sintomas leves em escolas vazias. Paraisópolis, em São Paulo, planeja mudar moradores mais velhos para mansões alugadas em um distrito arborizado nas proximidades. Ativistas estão dirigindo pelas favelas com alto-falantes, dizendo aos moradores para ficar em casa. Em alguns, os narcotraficantes fecharam os mercados de drogas ao ar livre, cancelaram o baile funk (festas a noite toda) e impuseram toque de recolher. "Se o governo não for capaz de fazer isso acontecer, o crime organizado o fará", promete uma gangue no WhatsApp.

Em muitas favelas, o comércio continua porque as pessoas precisam trabalhar. Apenas um quinto dos residentes tem empregos formais. A maioria são diaristas, vendedores ou empregados domésticos. “Eles só podem ficar em casa se o governo pagar”, diz Eliana Sousa Silva, da Rede da Maré, uma ONG.


The Economist
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Daqui&Dali Publicidade 1200x90