18/12/2018 às 14h55min - Atualizada em 18/12/2018 às 14h55min

E quando Afrodite fica velha?

Psicóloga afirma que o envelhecimento feminino pode ser libertador se a mulher se desapegar de demandas sociais e papéis institucionais

g1.com.br


Devo à médica Karla Giacomin uma pequena joia: o livro “A segunda vida – um guia para a mulher madura”, escrito por Marisa Sanabria. A obra só pode ser encontrada em sebos virtuais, mas deverá ser relançada ano que vem. Psicóloga com 35 anos de prática, mestre em filosofia e especialista no tema do feminino, ela trata a questão do envelhecimento em suas oficinas com uma pergunta: “e quando Afrodite fica velha?”. Sua resposta: “as mulheres podem ter um envelhecimento repleto de amargura, ou transformar essa etapa da vida num momento libertador. No entanto, o caminho não é tentar, a todo custo, continuar sendo a Afrodite dos 25 anos”.
Marisa Sanabria: psicóloga com 35 anos de prática, mestre em filosofia e autora de “A segunda vida – um guia para a mulher madura” — Foto: Acervo pessoal Marisa Sanabria: psicóloga com 35 anos de prática, mestre em filosofia e autora de “A segunda vida – um guia para a mulher madura” — Foto: Acervo pessoal

Marisa Sanabria: psicóloga com 35 anos de prática, mestre em filosofia e autora de “A segunda vida – um guia para a mulher madura” — Foto: Acervo pessoal

No livro, Marisa utiliza depoimentos de pacientes para ir encadeando os ensinamentos. “Sempre fui bonita, acostumada a chamar atenção. Hoje ninguém me olha. Está muito difícil me acostumar” – diz uma. “Fui a princesinha do pai, depois do marido. Meu trabalho era ficar bonita para agradar. Agora, sem pai e viúva, qual é o meu lugar?”, é o desabafo de outra. “A maturidade é um momento de reformular propósitos, mudar atitudes. Precisamos nos desapegar de demandas sociais, solicitações familiares e papéis institucionais, deixar o que não é nossa tarefa e não sustentar aquilo que já não nos interessa”, escreve. Esse desprendimento inclui a relação com o próprio corpo. Muitas não aceitam a imagem refletida à sua frente e ela explica: “estão presas a um corpo anterior e a uma imagem externa. Desqualificam-se e tentam se fazer invisíveis por não compreender que é possível ter beleza, harmonia e encantamento em qualquer época da vida”.

Uma das melhores lições é sobre o papel libertador do mito de Lilith, que pertence à tradição judaica. Segundo a lenda, Lilith foi a primeira mulher de Adão e não se submeteu a ficar debaixo do corpo do homem durante o sexo, desafiando a ordem patriarcal. O mito mostra o feminino percebido como uma ameaça, identificado como a transgressão. Depois de expulsá-la do paraíso, Deus cria Eva, que vive a sexualidade vinculada à maternidade. Marisa trabalha com grupos o que chama de “Oficina Lilith”, para que pensem “quantas vezes foram Eva e que preço pagaram por isso”. Acrescenta: “o momento Lilith de cada uma é saber colocar limites sem culpa. Não é preciso agradar o tempo todo para ser aceita”.

Mais um depoimento é a tradução perfeita desse padrão de comportamento feminino: “não podia falar ‘não’ para o meu filho. Ele pediu para eu ficar com minha neta, mas eu tinha programado um passeio com minhas colegas do clube. Resultado: fiquei com raiva, mas a culpa não me deixou tomar outra atitude”. Ao abordar o modelo de maternidade que é desempenhado de forma vitalícia, Marisa, aponta o erro de tratar filhos adultos da mesma forma como quando eram crianças. “Uma coisa é ser mãe, condição irreversível que se adquire quando se tem filhos, e outra coisa é desempenhar o papel materno como eterno – até porque ele é transitório e caduca. A compreensão desse fenômeno nos liberta e nos permite entender que nossos filhos precisam construir sua própria história. Esse discernimento evita manipulações, chantagens e jogos de poder de quem espera e cobra dos filhos o reconhecimento por tanta dedicação”.

Também busca inspiração na mitologia grega, valendo-se da figura de Hécate, deusa cujo nome significa “a distante”: é a sábia anciã que aguarda nas encruzilhadas e observa o passado, o presente e o futuro. “Hécate trabalha com o silêncio e a reflexão. É para onde me dirijo, como vou conduzir minha vida quando tiver 80 ou 90 anos”, ensina. Ao final de cada capítulo, há exercícios para se pensar e escrever sobre medos, sentimentos e transformações. Apesar dos desafios associados à longevidade, ela se mostra otimista, com uma ressalva: “estou me referindo ao homem e à mulher dos centros urbanos, com condições de cuidar da saúde. O Brasil é um país que se adapta muito rapidamente e a consciência dos cuidados para um envelhecimento saudável já existe. Visitei recentemente a Espanha e me surpreendi como lá os idosos alimentam-se mal e não fazem exercícios”.


 
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