18/12/2018 às 14h28min - Atualizada em 18/12/2018 às 14h28min

Fragilidade na investigação e na punição do homicida provoca multiplicação de assassinatos

g1.com.br


Um bom investigador de polícia sabe que os primeiros dias depois de um assassinato são decisivos para o levantamento de indícios, testemunhos e provas para o esclarecimento do crime. Caso esse primeiro passo seja bem-sucedido, inicia-se um longo caminho na Justiça até que o réu seja levado a júri. Como se fosse um funil, nesse percurso poucos acabam sendo condenados. Quase sempre, muito tempo depois de o crime ter sido praticado.

No Brasil, logo de cara, a fragilidade de investigação policial garante ao homicida chances elevadas de permanecer impune. Um ano depois das 1.195 mortes acompanhadas pelo Monitor da Violência, as polícias estaduais não conseguiram chegar ao nome de um único suspeito em 57% dos casos ocorridos na semana de 21 a 27 de agosto de 2017 (considerando os casos "não informados"). Isso significa que quase seis em cada dez autores de homicídios não devem passar nem sequer pelos intermináveis trâmites burocráticos do sistema judiciário.

Em alguns estados, a situação chega a ser mais dramática, em especial no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Norte, que despontaram como sede das polícias que menos esclareceram ocorrências de homicídios naquela semana, somente dois em cada dez homicídios. A liberdade de pessoas que matam com o objetivo de se impor ou de defender seus interesses ou de seus grupos, em ambos os estados, vem criando problemas para amplas parcelas da população que vivem nos bairros com elevada taxa de assassinatos.

Na noite de 23 de agosto do ano passado, por exemplo, em São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, dois homens foram mortos enquanto conversavam na calçada com outras duas pessoas. Perto das 20h, dois homens encapuzados chegaram em uma motocicleta e efetuaram disparos. Os suspeitos não foram identificados.

Assassinatos como este, que se repetem em outros bairros pobres do Brasil, quando permanecem impunes, acabam, muitas vezes, provocando vinganças e organizando conflitos entre grupos rivais, que respondem da mesma forma à agressão, gerando novos homicídios. Esse efeito multiplicador, que cresce inercialmente como uma bola de neve, pode ser identificado na maioria dos bairros violentos e vem fazendo crescer de forma acelerada as taxas de homicídios, principalmente em cidades do Norte e Nordeste do Brasil.

A novidade, contudo, surgida nos últimos anos, é que parte desses conflitos é atualmente financiada e articulada por facções que se fortaleceram dentro das prisões. A polícia, muitas vezes apoiada por seguranças e milícias privadas, em vez de trabalhar com investigação para identificar como esses grupos violentos ganham dinheiro e compram armas, acaba entrando no cotidiano das disputas violentas, como se fosse mais uma gangue no conflito. O resultado acaba sendo mais violência.

No Rio de Janeiro, por exemplo, dos 84 homicídios ocorridos na semana de agosto do ano passado, 15 foram cometidos pela polícia em suposta troca de tiros. Apesar de a autoria ter sido assumida por agentes do Estado – mesmo que alegando legítima defesa –, em apenas cinco desses casos a polícia informa que a autoria já está identificada (nos outros ou ela não informa ou alega sigilo).

Se a punição do homicida já se complica diante da fragilidade da investigação na fase inicial, a situação piora quando se faz o balanço dos casos julgados no período de um ano. Foram apenas 30 julgamentos, o que corresponde a pouco mais de 2% dos casos. Parte deles envolve mortes com facas e diante de testemunhas, o que acaba facilitando a investigação. O baixo percentual de condenação, contudo, já era esperado. Estudo coordenado por Ludmila Ribeiro para o Ministério da Justiça em 2014 calcula que o tempo médio para um julgamento de homicídio ocorrer no Brasil é de 8,6 anos.

O Acre, que no ano passado foi o segundo estado mais violento do Brasil, chamou a atenção durante a semana de agosto tanto pela elevada quantidade de suspeitos identificados pela polícia como pela agilidade no julgamento. Dos dez homicídios ocorridos no estado no período, em sete casos os suspeitos foram identificados e em três houve condenação do acusado.

Um dos casos em que houve condenação envolveu a morte do agente penitenciário Humberto Furtado, assassinado com um tiro na cabeça na quinta-feira, 24 de agosto, na cidade de Bujari. Era o segundo agente penitenciário morto naquele ano no estado, que vive momentos de tensão diante das disputas envolvendo conflitos entre facções como Bonde dos 13 (aliada do Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho. Os dois acusados pelo homicídio do agente foram sentenciados no dia 30 de março a penas de 60 anos de prisão.

Os resultados dos 1.195 homicídios mapeados um ano depois do ocorrido mostram a necessidade de se rever a estratégia da segurança para retirar os assassinos das ruas e reduzir as taxas de homicídios no Brasil. Focar a inteligência na compreensão do cotidiano dos bairros mais violentos, identificando os principais matadores, é um importante começo.

Dados do Atlas da Violência de 2016 identificaram que mais de 50% dos homicídios estão concentrados em apenas 2% dos municípios brasileiros – 123 cidades. Nessas cidades, os casos se concentram em poucos bairros e, quase sempre, envolvem pequenos grupos de matadores contumazes.

Definir estratégias a partir de análises criminais bem-feitas, produzidas a partir de dados detalhados das realidades estaduais, priorizando a redução de homicídios e a retirada dos assassinos das ruas – não importa se traficantes, membros de facções, policiais homicidas ou integrantes de grupos milicianos ou de extermínio –, como vem ocorrendo nos lugares que registram as quedas mais significativas das taxas de homicídios, é o caminho mais rápido e efetivo para o sucesso da medida.

 
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