20/04/2020 às 08h10min - Atualizada em 20/04/2020 às 08h10min

CORONAVÍRUS MATA

E A QUARENTENA DESTRÓI CASAMENTOS...


O maior vírus das quarentenas é a violência doméstica. Na quarentena do estado de São Paulo ela já cresceu 19,8%. Isso baseado em 7.933 chamadas à PM em 24 dias. E a tendência é a de crescer...

A medição foi feita pela Folha com base nos atendimentos realizados pela Polícia Militar no estado entre os dias 20 de março e 13 de abril deste ano comparados com período semelhante do ano passado. Foram 7.933 na quarentena deste ano, contra 6.624 no ano passado, no período de 22 de março a 15 de abril.
 
Os números obtidos revelam uma aceleração da violência nos últimos seis dias da análise. De 20 de março a 7 de abril, término da primeira etapa da quarentena decretada pelo governo João Doria (PSDB), esse tipo de atendimento registrou alta de 16,9% (foram de 5.076 casos para 5.933), cerca de três pontos percentuais menos do que agora.
Sem os registros da primeira etapa, o crescimento salta para 29,2%: são 2.000 casos anotados neste ano em apenas seis dias, contra 1.548 no período equivalente em 2019.
 
Embora não abarquem todos os tipos de crimes cometidos no ambiente doméstico, os dados de atendimento da Polícia Militar são um bom termômetro do aumento da violência porque são acionamentos feitos, muitas vezes, por vizinhos ou terceiros que conseguem perceber as agressões ocorrendo, e não necessariamente pelas vítimas.
 
Os números da PM também são termômetros eficientes como tendência, pois atingem mesmos casos que, por diversos motivos, não chegam a ser registrados pela Polícia Civil e, assim, não entram para as estatísticas oficiais do governo.
 
A promotora Fabíola Sucasas (sobrenome sugestivo para essa questão...), do grupo de enfrentamento à violência doméstica, do Ministério Público de São Paulo, e assessora de Direitos Humanos da Procuradoria-geral de Justiça, diz que, apesar de serem esperados, por causa de experiência internacional, os números ainda eram desconhecidos na realidade brasileira. Agora poderão ser muito úteis para confirmar os problemas do confinamento e estudar formas para tentar enfrentá-los. “A situação de confinamento é um sinal vermelho para as mulheres. E as crianças expostas a essa violência são igualmente vítimas”, disse ela.
 
Sucasas descreve dois tipos de impacto - óbvios, até... - do confinamento, que juntos multiplicam a vulnerabilidade da vítima: “O confinamento amplia o acirramento das tensões de um relacionamento abusivo e reduz as condições da mulher de conseguir ajuda”.
Os dados de atendimentos da Polícia Militar, como a promotora destaca, apontam para o agravamento das tensões do ambiente doméstico por envolverem pedidos de socorro emergencial, quando, aparentemente, já não há alternativa para a vítima.
O destaque, portanto, é que agora as mulheres estão acionando diretamente a polícia, em vez de procurarem primeiro o atendimento médico, como informa a Secretaria Estadual de Saúde.
 
Fabíola cita como causas do aumento da violência o consumo de álcool, o adoecimento mental (ansiedade e depressão, sobretudo) e o estresse causado pela falta de recursos, todos presentes no atual período de pandemia/quarentena, como potenciais causadores do aumento das tensões domésticas.
 
Para a diretora executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, os números obtidos pela Folha são a concretização de um risco esperado. Diz ela que o fato de terem origem no serviço de emergência do 190 da PM reforça sua gravidade.
 
“Sabemos que o registro por parte da vítima pode ser mais difícil no período de isolamento social, porque a mulher não consegue sair, e é difícil telefonar. Se os registros já indicam esse aumento é porque ele é real”, disse ela. Carolina afirma que, apesar de uma série de esforços da sociedade civil e de algumas polícias para frear a violência doméstica, faltam ações do governo federal.
 
A ministra Damares Alves, dos Direitos Humanos, chegou a citar a questão como uma de suas bandeiras, mas tomou poucas ações concretas além de fortalecer a divulgação de um número para denúncias, o 180.
 
Carolina acrescenta que,“como autoridade, não dá para dizer que é difícil e pronto. Tem que quebrar a cabeça. Apoiar, criar as redes de apoio. É um momento completamente diferente de tudo que a gente viu. Se a gente continuar buscando os mesmos jeitos de resolver os problemas, não vai resolver, porque o problema é outro
.
 
Um dos exemplos de medidas adotadas pela polícia para combater os casos de violência doméstica foi a alteração feita pela Polícia Civil de São Paulo, no início deste mês, para permitir o registro de casos de violência doméstica pela delegacia eletrônica.
De acordo com a delegada Jamila Ferrari, coordenadora das delegacias da mulher em São Paulo, o atendimento pela internet já era planejado, mas o lançamento foi antecipado por causa da pandemia. “Buscamos nos antecipar a um fenômeno que ocorreu em outros países, como China, Espanha, França e Estados Unidos, que registraram aumento no número de casos após adotarem medidas de isolamento social”, disse ela.
“A vítima poderá acessar o site de qualquer dispositivo conectado à internet, o que é essencial em um período em que as mulheres têm dificuldade para sair de casa”.
 
Segundo o capitão Nelson Cesar Rosa Vieira, chefe da seção de cidadania da Diretoria de Polícia Comunitária e Direitos Humanos da Polícia Militar de São Paulo, os casos registrados pela PM como violência doméstica são todos os previstos pela Lei Maria da Penha - o que inclui violência contra as mulheres, mas também contra crianças e adolescentes no âmbito familiar, mesmo que fora de casa.

Leia também na Folha.
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