07/02/2020 às 11h03min - Atualizada em 07/02/2020 às 11h03min

MILITARES BRASILEIROS PREVEEM O FUTURO DO PASSADO.

OU SERÁ O PASSADO DO FUTURO?

 
Sensacional a reportagem da Folha sobre os documentos secretos produzidos pela elite militar brasileira.
Logo de cara você fica sabendo que a França é ameaça a nosotros nos próximos 20 anos.
Teremos guerra pela Amazônia, onde se instalará base americana. Haverá ação chinesa e até terror no Rock in Rio de 2039.
Trata-se de "Cenários de Defesa 2040", parte de minuta sigilosíssima... à qual a Folha teve acesso! Será a base da nova Estratégia Nacional de Defesa, que será enviada ao Congresso até junho. Traduzem um sentimento médio entre o oficialato, a partir de reuniões em comandos militares, organizadas pela Escola Superior de Guerra.
Dizem que participaram pessoas tanto do âmbito interno quanto externo, mas os militares foram a maioria absoluta dos ouvidos.
 
São 45 páginas de considerações geopolíticas ditas realistas e hipóteses algo delirantes. Há a previsão da instalação de bases americanas no Brasil, guerras e até o ataque de coronavírus contra o Rock in Rio de 2039. Certamente será o maior espetáculo de espirros do planeta...
 
São quatro os cenários gerais: alinhamento automático do Brasil aos Estados Unidos com (1) ou sem (2) restrições orçamentárias para defesa, e relacionamento global do país, também em versões de verbas fartas (3) ou de verbas exíguas (4).
 
Que Macron não nos ouça, mas a única ameaça constante em todas as hipóteses é a França.
A floresta está no coração do pensamento militar local. O livro "Aspectos Geográficos Sul-Americanos" (1931), do capitão do Exército Mário Travassos (1891-1973), consolidou a geopolítica do "integrar para não entregar" dos quartéis.
Segundo um dos cenários descritos, em 2035 Paris terá formalizado “pedido de intervenção das Nações Unidas na Região Ianomâmi, anunciando o seu irrestrito apoio ao movimento de emancipação daquele povo indígena" e, dois anos depois, terá mobilizado “um grande efetivo de suas forças armadas, posicionando-os na Guiana Francesa" (viram bem? E depois dizem que militar não tem imaginação...). Não se fala do que poderá acontecer, caso os dois países em algum momento entrem em choque. Lembramos que nos anos 1960, Brasil e França chegaram a se estranhar numa questão pesqueira, a chamada Guerra da Lagosta. Mas hoje a França é a principal parceira militar do Brasil! Com quem, aliás, tem um amplo acordo para produção de submarinos e helicópteros!
 
O atual grande “terror” da região, a Venezuela presidida por Nicolás Maduro, tem tratamento diferente. Em uma simulação “realista”, o país aproveita os mísseis balísticos que recebeu da Rússia e da China e invade a vizinha República da Guiana (antiga Guiana Britânica) atrás de territórios que disputa. A briga desanda para Roraima, o que obrigaria a entrada do Brasil no conflito — e aparentemente somos salvos pelo "escudo antimíssil, sistema desenvolvido pelo Brasil, com apoio israelense e material norte-americano".

Em outros cenários, há pacificação da crise venezuelana, com ou sem os brasileiros na equação. A índole pacífica do Brasil, que não se envolve em conflitos na região desde a Guerra do Paraguai (1865-70), só é mantida em um dos quatro cenários, quando falta orçamento e o país mantém a mesma distância dos Estados Unidos e da China.
Nos outros cenários, além dos choques com franceses e venezuelanos, é prevista uma intervenção militar brasileira em Santa Cruz de la Sierra, “após o governo da Bolívia expulsar fazendeiros brasileiros”.
 
A crise permanente da Argentina é vista como superada, o país não é visto como ameaça, exceto quando tenta instalar uma base militar chinesa em seu território em 2034!!!. Brasília demove Buenos Aires da ideia diplomaticamente (podem rir...).
Por outro lado, o Itamaraty é visto como mediador de guerras entre Bolívia e Chile e entre Colômbia e Venezuela.
 
A dicotomia de um mundo em que a China ascendente desafia os EUA é onipresente. Pequim já tem forte presença econômica no Brasil e países vizinhos. Mas o fato de estarmos próximos da maior potência militar do mundo leva à sua preponderância natural. E o texto deixa claro que isso foi reforçado pelo "alinhamento iniciado em 2019" pelo governo (tcham! tcham! tcham!) de Jair Bolsonaro.
Isso é descrito como uma vantagem competitiva para os militares no caso de haver orçamento farto. Aí, é vista a compra de um porta-aviões com sete navios de escolta para a sonhada 2ª Esquadra, baseada no Maranhão.
 
Delirantemente, o texto diz que será possível "modernizar a frota de aviões de patrulha" com a aquisição de oito modelos P-3 Orion em 2029 — acontece que esse avião está ultrapassado... hoje!!!
 
Já o submarino nuclear brasileiro poderia estar operacional em 2035, e um segundo talvez fosse lançado ao mar, nessa visão muito otimista. Ao mesmo tempo, no caso de os brasileiros estarem sob situação econômica não tão boa, a instalação de bases americanas no país e em vizinhos é prevista, assim como o "fortalecimento da Quarta Frota" da Marinha dos EUA, que cobre a região.
 
Por trás de tudo isso, estão os programas específicos preservados por Bolsonaro, que encaminhou uma reforma (há muito desejada...) da carreira dos militares. E é bom lembrar que, nesta sexta (7), será recriada a 6ª Divisão do Exército, seis anos após ser fechada.
Não são elaborados no texto riscos terroristas de adversários dos EUA no Brasil. Quando o texto se dá a fazer leituras políticas, vêm as banalidades: governos estáveis com economia em ordem permitem avançar iniciativas militares (o que evitaria que as Forças Armadas fossem usadas para conter crises na área da segurança).
Curiosamente, num cenário, dois ministros do Supremo são presos por corrupção, resultado de reformas do Código Penal sob o "governo Maria Fernanda", daqui a 15 anos. E o polêmico Ministério da Segurança Pública seria recriado só após crise em 2031.

Há belíssimos voos de imaginação. Num deles, a pujança brasileira leva à irritação de ultranacionalistas do Sudeste Asiático, que espalhariam o coronavírus durante o Rock in Rio de 2039!
Em outro cenário, um terrorista envia o bacilo antraz em cartas para o ministro da Defesa, como ocorreu nos EUA após o 11 de Setembro de 2001. O documento não se pergunta nem imagina se ainda existirão cartas físicas daqui a quase 20 anos...
 
É a primeira vez que o Ministério da Defesa elabora algo nesta linha. Antes era o Exército.
A minuta não especifica métodos. "O arranjo metodológico para composição de um texto flexível utilizou técnicas e métodos qualitativos", disse o ministério, em nota.
A Folha enviou o texto para o especialista Vinicius Mariano de Carvalho, professor no Brazil Institute e no Departamento de Estudos da Guerra do King´s College, de Londres.
Ele preferiu não comentar os cenários em si. Teve algumas dúvidas e comentou que "seria relevante haver transparência acerca da metodologia aplicada e sobre que pesquisadores participaram; a leitura não parece trazer a perspectiva das três Forças de forma equilibrada, sugere preponderância de uma voz".
 
Com uma previsão desse tipo, só nos resta tratar de pular por cima desse “futuro” ou voltar ao passado correndo...
 
Leia mais na Folha.
E também no Brasil247.
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