Os dois são países vizinhos. Há tempos que são amigos e parceiros econômicos inseparáveis. Mas os dois estão terminando 2023 com passos bem diferentes – um pra cá e outro bem pra lá. O Brasil vive o crescimento do otimismo, com o governo Lula apostando no desenvolvimento com mais justiça social. Nossa economia cresce 3%, contrariando todas as previsões pessimistas do início do ano. A inflação caiu para 4,2%, recuando ainda mais para os pobres, a 3,19%. A abertura de vagas de trabalho chegou a 1,78 milhão de novos postos de trabalho. O desemprego caiu para 7,7%, a menor taxa desde 2015. O consumo de alimentos aumentou e a desigualdade de renda diminuiu, segundo o índice de Gini medido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), para 0,521. O crescimento da economia contribuiu muito, claro, mas é importante destacar também o reforço das transferências diretas (como o Bolsa Família, por exemplo).
Isso tudo foi no primeiro ano do governo Lula – apesar das previsões em contrário e da tentativa idiota de golpe no dia 8 de janeiro. Na verdade, até ajudou a fortalecer a resistência a qualquer avanço fascista de Bolsonaro. Os obstáculos continuam imensos para alcançar a meta perseguida por Lula: a superação do ódio largado pelo período bolsonárico e sua substituição por um ambiente político marcado pela tolerância e o entendimento no trato das diferenças. Na Argentina, a situação é oposta. Até que vinha tentando se livrar da herança deixada pelo governo de Mauricio Macri (2015-2019) que havia contraído a maior dívida externa do mundo. Foram 100 bilhões de dólares, dos quais 86% desapareceram. Mas a escolha pelo retorno de Javier Milei parece coisa de masoquista feita pelo eleitor iludido. Milei age como ditador, governa por decretazo inconstitucional destinado a instituir ou derrubar 365 leis debatidas democraticamente. Ele ameaça punir os beneficiários de programas sociais que compareçam a manifestações, faz desvalorização severa do peso (116%) enquanto ameaça a repressão aos sindicatos de trabalhadores e associações de defesa dos pobres, dos aposentados e dos povos originários. Milei simplesmente repete o programa devastador liberal da ditadura militar que devastou a democracia e a economia do país entre 1976 e1983.
A liberação dos controles de preços ameaça mergulhar a economia na hiperinflação, sem qualquer proteção do poder de compra dos assalariados, dos pensionistas e dos vulneráveis. A "lógica" do experimento ultraliberal tem tudo a ver com o extremismo regressivo na política, empurrado pela mídia de direita e hordas das redes sociais. Demonizam especialmente os trabalhadores, suas entidades e o peronismo pelas dificuldades do país.
Já começou a resistência a partir das centrais sindicais e da população que espontaneamente se manifesta em panelaços. O peronismo, com todas as suas contradições e mazelas, inspira ódio que vem de sua trajetória lado a lado com os trabalhadores ao longo da história argentina. O peronismo continua sendo, essencialmente, a expressão política da ideia de que o Estado tem que proteger e beneficiar os necessitados. Nisso, foi inovador. Sua identificação com os pobres lhe rende o ódio das elites, de sua mídia e de toda forma de preconceito intelectual. Mas a essência de sua política tem tudo a ver com os governos do nosso PT.
Se os protofascismos de Milei e Bolsonaro tanto se assemelham, as resistências a eles também têm o mesmo compasso. Como aconteceu com Bolsonaro, Milei será riscado do mapa latino-americano. Será apenas o pesadelo de uma noite de terror.