08/12/2019 às 20h36min - Atualizada em 08/12/2019 às 20h36min

​REUNIÃO DE AGRICULTORES AMERICANOS

DISCUSSÃO SOBRE O BRASIL

 

Seria apenas uma reunião anual de agricultores americanos, em Des Moines, no estado americano de Iowa. Palestras sobre novas técnicas de cultivo e ajuda psicológica para lidar com altos e baixos do setor, nada mais natural. Mas, na última terça-feira, 3, os fazendeiros também estavam interessados em debater a competição do Brasil e o avanço de cultivos que estão sendo feitos na Amazônia. Nem mesmo o zero grau de temperatura local seria capaz de  impedir aqueles agricultores residentes em cidades distantes, algumas a centenas de quilômetros de distância, de acordar cedo para a reunião anual dos fazendeiros do estado.

Teve competições de oratória para jovens agricultores. Teve palestras sobre novas técnicas para cultivo. E teve até sessões com o objetivo de melhorar o ânimo dos participantes, abatidos com os preços baixos do mercado agrícola - que, aliás, fizeram sucesso.
 
Teve até mesmo psicólogo que ajudava a lidar com os altos e baixos no setor e que também dava dicas para resolver crises no casamento e desafios da adolescência. Um ex-jogador de futebol, que sofreu um acidente e ficou paralisado, falou sobre superação e concluiu:
— Se eu posso levantar, vocês também podem. 
 
Foi no meio das palestras de autoajuda, em uma das sessões organizado pela Associação dos Agricultores de Iowa (Iowa Farm Bureau), que o professor Joe Outlaw, da Universidade do Texas, além de ensinar a encarar com realismo o período de preços baixos, resolveu dar outra lição: como lidar com a competição do Brasil .
— Eles têm o mesmo equipamento, se eles quiserem. Eles têm a mesma tecnologia. Tudo o que eles não têm agora é a infraestrutura, mas estão trabalhando nisso já há algum tempo. Então é duro, é um trabalho duro.
 
Deixou bem claro que a agricultura brasileira é uma ameaça real para os fazendeiros americanos. O Brasil (que não seria o tema da palestra) foi citado diversas vezes. Além do Brasil, somente a China apareceu durante toda a palestra de cerca de uma hora e meia.
 
No fim da palestra, antes das perguntas, um dos organizadores do evento, Sam Funk, pegou o microfone para fazer a propaganda de uma grande oportunidade: uma viagem para Mato Grosso, para conhecer a competição. É comum entre os agricultores o medo da estrada “que levará a produção do Mato Grosso até o mar”,  uma possível referência ao Corredor Bioceânico, antigo projeto do Mercosul que ligará o porto de Paranaguá a portos no Chile e que passa pelo estado.
 
Hubert Hagemann, agricultor aposentado que assistiu a todas as palestras ao lado da mulher, levantou a mão para perguntar o que farão os fazendeiros mais velhos para pagar o aluguel das casas de repouso caso os preços não melhorem.
E o palestrante respondeu, arrancando risos ansiosos da plateia:
— Até que haja um problema ao redor do mundo - e espero que seja no Brasil -, só estou dizendo, não vejo os preços subindo.
 
O CULPADO É O TRUMP
Brasil e Estados Unidos estão entre os principais produtores agrícolas do mundo e, naturalmente, são competidores no setor. Mas Donald Trump fez a bobagem de iniciar guerra comercial com a China e, para a alegria dos produtores e exportadores brasileiros, o produto nacional passou a ficar ainda mais atraente para o mercado asiático. Ou seja, em vez de apenas buscarmos mercado, os mercados começaram a nos procurar com mais frequência.
 
Marcos Jank, pesquisador do INSPER (Instituto de Ensino e Pesquisa), acha que os fazendeiros americanos é que perderão com a imposição de tarifas ao aço brasileiro, porque o aço é usado como insumo nos maquinários. Isso por que nossas exportações de produtos do agronegócio para a China e Hong Kong cresceram de US$ 23 bilhões em 2016 (antes de Trump assumir) para US$ 29 bilhões em 2017 e para US$ 38 bilhões em 2018 - uma diferença de US$ 15 bilhões em dois anos. Enquanto isso, no mesmo período, as exportações americanas caíram de US$ 30 bilhões para US$ 27 bilhões e, em 2018, US$ 17 bi, perderam espaço na China. Isso demonstra simplesmente a estupidez da arrogância trumpiana.
 
MEIO AMBIENTE
Apesar dos prejuízos evidentes com a imposição de tarifas da China em decorrência da guerra comercial, os fazendeiros estão cheios de outros argumentos para justificar por que estão perdendo para o Brasil. E Trump também lembrou que a “desvalorização enorme” do real não seria boa para os fazendeiros americanos, sugeriu que o governo brasileiro estava praticando essa desvalorização propositalmente. Obviamente, Trump está de olho na sua reeleição, e os fazendeiros são uma parte importante do seu público, com poder para decidir se ele continuará ou não ocupando a Casa Branca depois de 2020.
Além da questão do “dólar forte”, que ajuda nossas exportações, os agricultores americanos usam a questão do meio ambiente como argumento para frear as exportações brasileiras. Dizem que se preocupam com melhores técnicas sustentáveis para cuidar do meio ambiente e condenam o Brasil por não cuidar bem das suas florestas.
 
Tim Bardole, Diretor Executivo da Associação da Soja de Iowa (Iowa Soybean Association), diz que “não confia em tudo que ouve na mídia”, mas que já ouviu muita conversa sobre desmatamento na Floresta Amazônica para abrir terras de cultivo. Ele diz que poderá ver pessoalmente se o desmatamento está ocorrendo quando vier ao Brasil dentro de poucos meses.
— Se o que a mídia está dizendo sobre a destruição da Floresta Amazônica está ocorrendo nesse ritmo, eu acho que isso é perigoso, em longo prazo, para o meio ambiente e o clima.

Dustin Sage, agricultor de Dunkerton, a 230 quilômetros de Des Moines, concorda com a tese de que a desvalorização do real contribuiu para diminuir a demanda da soja americana, apesar de não negar que as “tarifas de Trump” também tenham tido um impacto.
– O Brasil sempre foi um grande competidor para nós aqui nos Estados Unidos, mas com a camada adicional da complexidade política, a competição ficou ainda maior.

 
Leia também Paola De Orte, no Globo

 
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »
Daqui&Dali Publicidade 1200x90