O grande desafio de uma análise política consistente da conjuntura é compreender a sua totalidade, ou seja, o movimento de todas as suas contradições e não como geralmente se faz, absolutizar o papel de um ou outro aspecto que, embora importante, não permite, de forma isolada, a compreensão daquele todo complexo. É isso o que cada analista da esquerda, ou num sentido mais coletivo, cada partido de esquerda busca fazer por meio de seus erros e acertos e, sobretudo, de suas autocríticas.
Falo disso para discordar de certas críticas à suposta incapacidade da esquerda de compreender as estratégias tanto de Bolsonaro quanto da direita liberal representada principalmente pela grande mídia. A esquerda é frequentemente acusada de ser enganada tanto pelo diversionismo das fake news de Bolsonaro quanto de ser pautada pela agenda da grande mídia. E nos advertem: o principal é a pauta economia neoliberal, que Bolsonaro toca e a direita liberal apoia, apesar de suas divergências com a escatologia verbal do capitão-presidente. Ninguém combateu e denunciou mais a pauta econômica neoliberal de Temer e Bolsonaro do que as esquerdas. E fez isso no Congresso e nas ruas, inclusive com várias greves gerais. Agora, não podemos ignorar a influência ideológica que a cortina de fumaça das fake news de Bolsonaro exercem na massa do povo e por isso têm de ser também combatidas. Na luta contra a pauta econômica temos na piora da vida do povo um grande aliado para o seu esclarecimento político. E isso nos favorece na luta contra o diversionismo ideológico das fake news, a chamada guerra semiótica.
A eficácia enganadora dessa guerra semiótica é maior onde a consciência política do povo é baixa, como é o caso do Brasil. Porque ela não tem a mesma eficácia contra o povo venezuelano, que mesmo sofrendo as consequências das sanções americanas se mobiliza para defender a sua independência e a sua revolução? Muita coisa ainda pode ser dita sobre tudo isso. Mas para finalizar entendo que a oposição de direita que está se formando via Dória em São Paulo e via Globo e grande mídia contra Bolsonaro não é, claro, por causa de sua política econômica neoliberal, que todos estes apoiam, mas por temerem que o autoritário presidente a comprometa com a sua forma bizarra de exercer o poder.
A oposição que essa direita faz é no fio da navalha para evitar que seus ataques morais a Bolsonaro não fortaleçam a esquerda contra o que ela mais defende, o entreguismo do governo e sua total subordinação ao capital financeiro, os verdadeiros culpados da crise do Brasil.