12/06/2022 às 08h14min - Atualizada em 12/06/2022 às 08h14min

EXISTEM DOIS BRASIS.

ADIVINHA QUAL VOTA EM LULA.



A dianteira das intenções de voto em Lula, PT, em grupos da base da pirâmide social, e a grande rejeição a Bolsonaro, PL, nesses segmentos menos privilegiados, desperta para fenômenos que vão além da disputa eleitoral deste ano.
Pesquisadores e analistas de ciência política têm identificado nas pesquisas eleitorais mudanças mais profundas, tanto no aspecto do poder de decisão — com influência mais sensível das camadas populares em detrimento das elitizadas — quanto no processo democrático.
 
A vantagem de Lula em setores como mulheres, negros, pobres e moradores do Nordeste, contrasta com a predileção por Bolsonaro em setores como homens, brancos, ricos e empresários, e acentua a divisão crescente do eleitorado nas eleições nacionais.
Fatores sociais, políticos e culturais ajudam a explicar a chamada clivagem social do voto, com contraposição clara entre fatias da população e também cisões dentro de parcelas específicas (homens estão mais divididos entre Lula e Bolsonaro, enquanto as mulheres majoritariamente escolhem Lula).
Antigamente, essa divisão era obviamente mais clara no segundo turno, mas a segmentação se antecipou com o afunilamento da disputa entre Lula (que no Datafolha tem 48%) e Bolsonaro (com 27%). O terceiro colocado, Ciro Gomes, possui 7%.
 
O cientista político Felipe Nunes (também diretor da Quaest, que faz pesquisas eleitorais) diz que se trata de "uma oposição entre dois Brasis". Um cenário em que a polarização se torna não só política ou partidária, mas também social e afetiva. "Isso põe em jogo direitos, privilégios e recursos."
 
O fato de Lula estar hoje 21 pontos percentuais à frente de Bolsonaro, com favoritismo superior entre classes menos favorecidas, dá toda a clareza ao peso desses grupos nos rumos da eleição. Não se trata de um deslocamento do eixo definidor do resultado, mas de uma questão mais ampla.
Parcelas que aderem a Lula são numericamente robustas no total da população — mulheres, por exemplo, correspondem a 53%, e pessoas com renda familiar mensal de até dois salários mínimos são 52%, conforme o Datafolha—, mas avançaram em uma espécie de escala de poder simbólico.
 
As campanhas pelo empoderamento feminino e contra o racismo estão na raiz de alterações estruturais recentes, por exemplo. Há ainda a organização da visão de mundo por "bolhas", maximizada pelas redes sociais, que contribui para o que Nunes classifica como esgarçamento social.
"As distâncias estão cada vez mais cristalinas, pautadas por pertencimento de grupo e identificação no espaço social. Grupos que sempre levaram desvantagem começaram a desenvolver um sentimento diferente. Não é mais olhar o patrão como amigo, a elite como algo que está ao lado", diz ele, revelando novas faces desse Brasil de Lula.
 
Embora os empresários representem 3% da população e a categoria dos que têm renda familiar superior a dez salários seja de 2%, historicamente o establishment assume papel importante em eleições por concentrar financiadores, agentes públicos e formadores de opinião.
"Grupos que antes talvez não fossem foco de atenção da classe política estão se tornando cada vez mais cruciais e se mobilizando por seus interesses, como é o caso de mulheres, negros e jovens", diz Natália de Paula Moreira, doutora em ciência política pela USP que estuda a participação feminina. O que significa, em outras palavras, que negros, mulheres e pobres abriram o olho, despertaram para a força que têm nas mãos, com capacidade para abrir novos caminhos.
Aliás, as teorias acadêmicas sustentam que eleições são mais do que votar em A ou B: elas promovem amadurecimento democrático a longo prazo. Ainda que inconscientemente, o cidadão tende a se politizar e a desenvolver senso mais aguçado de consciência e decisão.
 
No último dia 29, quando a Folha publicou reportagem sobre características dos eleitorados de Lula e Bolsonaro reveladas pela sondagem do Datafolha, um leitor usou a caixa de comentários para exprimir sua opinião:
"A influência das elites econômicas e dos homens brancos está diminuindo", escreveu Thomas Bustamante. "O Brasil será salvo pelos pretos, pobres, mulheres e nordestinos. Estes parecem entender muito mais de civilidade e respeito do que aqueles que tradicionalmente mandaram."
 
Portanto, podemos concluir: deu pra ti, Bolsonaro!
 
Leia também na Folha. Imagem a partir daqui.
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