03/10/2021 às 09h21min - Atualizada em 03/10/2021 às 09h21min

BOLSONARISMO MUDOU DE NOME

AGORA SE CHAMA ‘TERCEIRA VIA’


O empresário Pedro Passos, da Natura, vê evidências de crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro que justificam a abertura de um processo de impeachment. Mas ele acredita, com bastante razão, que só há chance real de cassação com protestos de rua e oposição unida. Ele não diz, claro, mas a oposição obviamente precisa se unir em torno de Lula. Veja a entrevista dada ao Globo do empresário que prefere, naturalmente, que seja escolhido um ‘tertius’.
 
O mercado tem revisado para baixo as projeções de crescimento do PIB e para cima as previsões de inflação. Como o senhor vê o cenário para o futuro?
Talvez nunca tenhamos passado por uma situação tão difícil, que soma uma série de crises: sanitária, econômica e política. Até o fim do ano, podemos talvez estar mais livres da parte crítica da pandemia. Por outro lado, o agravamento da situação econômica é evidente, todos os cenários com projeção de PIB para baixo, inflação alta e um cenário muito crítico proporcionado pela política. A situação de empobrecimento do país é muito grave e vamos ter de conviver com alta volatilidade até o calendário eleitoral definir o que acontecerá.
 
Qual é o maior desafio?
É o de caráter político.
 
O senhor disse há dois meses que o presidente deveria renunciar. Desde então, houve escalada no tom de Bolsonaro até 7 de setembro e, agora, uma suposta arrefecida. Pode haver um Bolsonaro paz e amor?
Não (risos). Enquanto ele estiver no poder, vai continuar polarizando, causando bastante confusão. Isso vai tornar o cenário econômico brasileiro muito ruim. A perspectiva de ele renunciar seria a de ele ser espremido por movimentos, inclusive do Congresso, e por indagações que existem contra ele.
 
Os protestos de rua entrariam nessa conta?
Não tenho visto uma mobilização forte, até porque a oposição a ele e ao Lula não se organizou em uma frente ampla. Há interesse do PT em manter a polarização com Bolsonaro, que é o candidato mais fácil de se vencer no segundo turno. Devemos lutar por uma alternativa que saia da polarização entre o que é inaceitável, a reeleição de Bolsonaro, e o que é indesejável, a reeleição do Lula. Por razões diferentes: um (Bolsonaro) porque não é democrata, é perigoso, não tem programa, não tem empatia com a população. O outro (Lula) porque traz uma agenda velha, de atraso, de intervenção econômica.
 
Com que nome a terceira via teria chance?
Opinar sobre um nome seria imprudente neste momento, essa definição vai se dar mais lá na frente. Temos as prévias do PSDB, que é um momento importante da decisão. Acredito que na corrida final (diferentes candidatos) possam se unir.

É factível um impeachment de Bolsonaro?
Os elementos para um impeachment estão aí, as evidências de crimes de responsabilidade estão presentes. Do ponto de vista jurídico, não teria dúvida. Do ponto de vista político é uma avaliação difícil. Há uma base de deputados e senadores que tiram vantagem da situação e negociam com o governo para a manutenção do status quo.
A alternativa a isso é ter o povo na rua (protestando). Precisaria ter uma frente ampla, e isso não é provável porque a situação das pesquisas (eleitorais) é relativamente confortável para o PT.

Economicamente seria um problema o impeachment?
É um processo que gera alguma instabilidade, mas dentro do quadro que vivemos, não sei se agravaria tanto.

Bolsonaro tem um ano e três meses pela frente. Quais riscos econômicos o país corre?
Bolsonaro aposta em uma saída que vá contra as instituições, embora eu acredite que o Brasil ainda tem instituições fortes. É evidente que a reeleição dele é pouco provável, mesmo se for ao segundo turno.

Há alguma chance de haver aprovação de reformas até o fim deste governo?
Não acredito. Prometeram um governo reformista, mas não entregaram. E há esse descontrole em relação ao regime fiscal, com precatórios correndo por fora e ameaça ao teto de gastos.

Que reforma tributária deve e pode ser feita?
A PEC 45 (que previa reforma ampla de impostos sobre consumo e foi engavetada) seria um importante destravamento para a economia brasileira porque desonera exportações, é menos regressiva, estabiliza alíquotas, elimina subsídios regionais. Obviamente, também precisamos reformar o Imposto de Renda.

Qual a sua visão sobre a reforma do IR como ela está?
A reforma tem alguns conceitos corretos, como diminuir a tributação corporativa e aumentar a sobre lucros e dividendos distribuídos, mas está cheia de furos. Eu preferiria discuti-la em um novo governo.

O senhor tem participado de manifestos da iniciativa privada em defesa, por exemplo, das eleições. Qual deve ser o papel do setor privado no debate público?
Tem de assumir papel de discussão do Brasil que se quer com visão ampla, ao contrário do que nos trouxe até aqui, que foi a iniciativa privada defendendo interesses muito setoriais e específicos. O Estado brasileiro hoje é possuído por grupos de interesse, muitos deles privados, que não permitem que a arrecadação seja alocada no que é prioritário para a maior parte da população. A iniciativa privada precisa entender que esse quadro é prejudicial para ela própria, porque o país não cresce.

Há consensos no empresariado sobre esses temas? A desigualdade é vista como problema?
Mesmo ícones do liberalismo econômico entendem que é necessário realocar investimentos para priorizar a igualdade de oportunidades, a melhoria das condições de vida da população com coisas estruturantes, como educação e saúde. Isso ficou claro na pandemia, temos vivido uma pobreza marcante. Não teremos um país competitivo e produtivo com isso.
Há dúvidas sobre como deve ser a estratégia para diminuir a desigualdade. Defendo que transferência direta de renda, como a do Bolsa Família, é bem-vinda para uma população que passa fome e não pode esperar. Mas não podemos ficar só discutindo isso, e sim coisas relevantes para dar qualidade de vida à população, como educação, saúde, mobilidade.

Nessa modernização, os padrões ESG são cada vez mais relevantes para investidores internacionais. Qual lugar o Brasil pode ocupar nesse quesito?
Vamos passar por uma grande mudança ao fazer a transição para economia de baixo carbono. O Brasil tem um conjunto de oportunidades porque temos vantagens comparativas interessantes. Temos sol, água, terra produtiva, podemos gerar créditos de carbono de maneira muito mais efetiva e com custo menor que outros países com matriz energética mais suja. Mas isso tudo só será um futuro real se não ficarmos atrelados aos velhos padrões industriais de baixa capacidade de inovação e baixo investimento em ciência. E este governo foi especialmente cruel com a ciência. Não enxerga o futuro, acha que motosserra é símbolo de desenvolvimento.

Parte do agronegócio se modernizou, mas outro segmento está atrelado a modelos que causam depredação…
Temos um pedaço importante do nosso agronegócio que é tecnológico, internacionalizado e tem belíssimo mercado pela frente, mas temos um agronegócio ainda de baixíssima produtividade, como parte da produção de proteína animal e vários (subsetores) retrógrados. Não tenho dúvida de que quem vai ganhar é quem se adaptar à nova realidade. Vai perder valor quem achar que emitir CO2 é um problema menor, vai quebrar.

Pois é. E os empresários podem ficar certos de que, com Lula, o fim do negacionismo bolsonárico tornará o país mais saudável, também na economia.

Leia também no Globo.

 
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