Vamos tentar falar sério (coisa cada vez mais difícil nesse país de Bolsonaros). Codevasf significa Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba. Elementar. Ela foi criada ainda na época da ditadura, com o objetivo de desenvolver as margens do Velho Chico. Mas parece que a Codevasf construiu uma história margeada por corrupção e fisiologismo, transformando-se na estatal do Centrão.
Na sua reportagem publicada hoje, 10 de maio de 2021, no Estadão, Breno Pires detalha um esquema do presidente Jair Bolsonaro para controlar o Congresso através da Codevasf, graças a um orçamento recorde de R$ 2,73 bilhões neste ano. Repetindo: orçamento recorde de R$ 2,73 bilhões neste ano!!! Em plena campanha pela reeleição, ele 'incluiu na área de atuação da empresa mil novos municípios, muitos deles localizados a mais de 1.500 quilômetros das águas do São Francisco. Na prática, o governo transformou a “estatal do Centrão” num canal para distribuição de recursos para atender os seus interesses eleitorais.
A Codevasf se tornou a preferida de deputados e senadores – principalmente do Centrão –, pela capacidade de executar obras e entregar máquinas aos municípios e Estados mais rapidamente do que o governo. Motivo: sendo uma estatal, tem regras de contratação mais flexíveis do que um ministério.
Boa parte dos recursos do orçamento secreto (!) é destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas com valor acima da tabela de referência. Os documentos obtidos pelo Estadão revelam que um grupo de aliados do governo determinou o que comprar, por quanto e indicou a Codevasf como o órgão que deveria fazer a operação, o que contraria leis orçamentárias.
O “interessante” é que a área original da Codevasf incluía apenas Alagoas, Bahia, um pedaço de Goiás e de Minas, Pernambuco e Sergipe (por onde correm o rio São Francisco, os seus afluentes e os seus subafluentes), além de Brasília, sede da companhia. Por decisão de Bolsonaro, a Codevasf também atende agora o Amapá, reduto do senador Davi Alcolumbre (DEM); o Rio Grande do Norte, base do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (sem partido), e a Paraíba, do deputado Wellington Roberto, líder do PL na Câmara. Poderia passar a se chamar Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco, do Parnaíba e Alcolumbres...
Na sua criação, em 1974, a empresa atendia 504 municípios, o que representava 7,4% do território brasileiro. De 2000 para cá, apenas Dilma Rousseff não alterou a abrangência da estatal (tinha que ser coisa do PT...). E foi Bolsonaro que fez a maior ampliação da história da empresa (não é coisa do PT?). Desde que ele assumiu a Presidência, a área de atuação da Codevasf cresceu de 27,05% para 36,59% do território nacional – um crescimento de 73,9%!!! Chegou ao Sul da Bahia, passou a cobrir quase todo o Ceará, o litoral de Pernambuco, o Sul de Goiás e grandes trechos do Pará e de Minas, atingindo a divisa de São Paulo. Mas o São Francisco é infinito. A empresa já atende 2.675 municípios em 15 Estados, além do Distrito Federal. É uma ampliação, digamos, ampla! Completamente sem freio! O Senado já aprovou proposta para a estatal atuar no Amazonas, em Roraima e no Sul de Minas – provando que o São Francisco é um rio sem limites. A companhia já passou a operar até no clima equatorial úmido da floresta do Amapá!!! Poderia até passar a se chamar CodevasfA...
A sede da Codevasf em Macapá foi inaugurada no último 16 de abril, com a presença de Davi Alcolumbre. Em uma empresa que não gera receitas próprias, o ex-presidente do Senado foi responsável por determinar o capital inicial de R$ 81 milhões para projetos no Amapá, com aval do Palácio do Planalto. Deveria mudar o nome da empresa para CodevasfA... Enquanto isso, a diretoria executiva da estatal, composta por quatro indicados do Centrão, aprovava a criação de mais quatro Superintendências Regionais (SRs), além das oito já existentes, no Macapá, em Goiânia, Palmas e Natal — as duas últimas, aliás, são as bases do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), e do ministro Rogério Marinho, que estuda concorrer ao governo do Rio Grande do Norte. O diretor-presidente da Codevasf é o engenheiro baiano Marcelo Moreira, ex-funcionário da Odebrecht, indicado em 2019 pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), com respaldo do então ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, hoje chefe da Casa Civil. À época, Ramos disse à Coluna do Estadão que Elmar fez a indicação porque era líder do DEM, partido que votava “com o governo”.
Quer saber mais sobre a Codevasf? Leia aqui no Estadão. Ou ligue para o Centrão...