05/04/2021 às 10h34min - Atualizada em 05/04/2021 às 10h34min

O RIO QUE O SENSO COMUM NÃO VÊ

POR MAURO OSÓRIO, MARIA HELENA VERSIANI E PAULO CÉSAR REIS

 
Um motivo da longa crise estrutural é a carência de reflexão sobre as especificidades do estado.
 
O estado e a cidade do Rio de Janeiro vivem uma crise socioeconômica desde os anos 1970, quando ocorre a consolidação da transferência da Capital Federal para Brasília. Entre 1970 e 2017, apresentaram o menor dinamismo econômico entre todas as unidades federativas e capitais estaduais do país. Nesse período, o Estado do Rio perdeu 38,8% de participação no PIB nacional, e a cidade perdeu 60,1% (IBGE).
 
Além disso, a cidade do Rio apresenta grave desigualdade territorial. O Índice de Desenvolvimento Social-IDS, organizado pelo Instituto Pereira Passos (IPP), mostra uma diferença abissal entre a qualidade de vida urbana na Zona Sul do Rio de Janeiro vis-à-vis à situação encontrada nas zonas Suburbana e Oeste. Esse índice demonstra que a desigualdade socioterritorial na cidade do Rio, ao contrário do que muitos supõem, não contrapõe principalmente favela versus não favela, mas sim centro versus periferia.
 
Pesquisa de campo feita a partir do programa Territórios Sociais, da prefeitura do Rio, apontou que, em 2017, nos dois mil domicílios mais pobres da cidade identificados pelo IDS, mais de 70% não tinham filtro de água; 25% tinham ao menos uma criança fora da escola; 75% das famílias não tinham nenhum membro com mais de cinco anos de estudo; mais de 30% dos entrevistados não possuíam ou desconheciam se possuíam documentos de identificação pessoal.
 
Nossa periferia metropolitana é um desastre social, econômico e de infraestrutura. Entre os 66 municípios das periferias metropolitanas do Sul e Sudeste brasileiro com mais de cem mil habitantes, 9 entre os 10 piores resultados em educação, medidos pelo Ideb/MEC no ano de 2019, são municípios da periferia metropolitana do Rio de Janeiro.
 
Um motivo da longa crise estrutural do Rio é a carência de reflexão sobre as especificidades do estado, de sua capital e demais regiões de governo — o que leva a sensos comuns equivocados e dificulta o desenho e a execução de estratégias de desenvolvimento.
Entre outros exemplos, escapa ao conhecimento comum que:
1) a cidade do Rio tem 9.299 pessoas ocupadas, formal ou informalmente, na agropecuária, o maior número de trabalhadores nesse setor entre todos os 92 municípios fluminenses (Censo IBGE/2010);
2) entre os trabalhadores formais da cidade do Rio, 79,8% possuem carteira assinada, e apenas 20,2% são servidores públicos municipais, estaduais ou federais (Rais/2019);
3) na cidade do Rio existem 141.766 postos de trabalho com carteira assinada na indústria de transformação (excluindo a extração de petróleo), número maior que o observado, nesse setor, para o total dos demais 21 municípios da Região Metropolitana do Rio, de 91.878. Ou seja, a indústria de transformação na cidade do Rio ainda tem importância bem maior do que supõe o senso comum;
4) apesar de suas potencialidades turísticas, a cidade do Rio tem 20.326 empregos com carteira assinada em hotéis e pousadas, o que representa apenas 0,90% do total de empregos formais da cidade;
5) a receita de ISS da prefeitura do Rio não é maior no mês do carnaval do que na média dos demais meses do ano (Secretaria Municipal da Fazenda).
Nesse cenário, é fundamental entender a importância de órgãos como a Fundação Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj), no âmbito do governo estadual, ou o IPP, na capital, para organizar dados e indicadores, subsidiando a ampliação de conhecimento sobre a cidade e o estado, bem como o desenho de estratégias e políticas públicas.
 
Mauro Osorio é diretor da assessoria fiscal da Assembleia Legislativa do Estado do Rio e professor da UFRJ.
Maria Helena Versiani e Paulo César Reis são historiadores.
 
 
Mauro Osório observa: Em um momento em que o orçamento para realização do censo do IBGE é cortado, inviabilizando a realização dele, trago um artigo que escrevemos para o Globo apontando a importância de dados e indicadores para a definição de caminhos para o Rio e o Brasil, principalmente em um momento de tantas dificuldades, impasses e incertezas.
Um dos erros no debate sobre o Rio no meu entendimento é achar que o recorte da desigualdade no Rio é favela/não favela, mas não é - é centralmente centro/periferia.

 
Leia também no Globo.
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