10/02/2021 às 09h36min - Atualizada em 10/02/2021 às 09h36min

LAVA JATO, QUEM DIRIA, ACABOU NO TIMES

JORNAL AMERICANO DETONA MORO E SEUS PROCURADORES


O título da reportagem no jornal americano The New York Times (edição em espanhol) é “El desairado fin de Lava Jato”. Detona a operação que “foi apontada como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história”.
 
Neste mês, o grupo de trabalho responsável pela operação Lava Jato foi dissolvido pela Procuradoria-Geral da República. O fim da operação anticorrupção, cuja ação mudou a história do Brasil e da América Latina, pode ter provocado uma reação violenta: para alguns é um dos poucos esforços contra a impunidade para políticos e empresários que deve ser seguido, mas para outros é mais um exemplo da politização da justiça que traz graves falhas desde a origem.
Se você é a favor de se opor a uma operação, uma coisa é certa: a teia que une corrupção e política continua em pauta. No mesmo dia em que foi anunciada a dissolução da operação, Arthur Lira, político investigado por possível corrupção, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados.
Mas nem nas ruas nem nas redes sociais, nenhum dos dois anúncios gerou mais indignação. O imenso capital político e social acumulado por Sérgio Moro (o famoso juiz que fundou a Lava Jato) e os promotores tem se evaporado nos últimos anos. E isso leva a outra conclusão: ao invés de ajudar a erradicar a corrupção, conseguir maior transparência na política e fortalecer a democracia, a famosa operação contribuiu para o caos que o Brasil vive hoje. Foi vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil.
Seu fim nos diz muito sobre o descrédito em que caiu,  depois da vitória de Jair Bolsonaro, em grande parte impulsionado pela indignação social causada pelo "lavajatismo". Também permite traçar uma reavaliação do legado da operação e a forma como ela entrará nos livros de história, principalmente após a recente publicação de novos diálogos via Telegram entre Moro e os promotores, que são de natureza eminentemente política.
 
Para defender seu trabalho, os advogados da Lava Jato apresentaram uma série de números que mostram o enorme tamanho dessa operação. Em sete anos, foram emitidos 1.450 mandados de prisão, 179 ações criminais, 174 condenações de empresários e políticos do mais alto nível, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, para conseguir isso, os promotores caíram em violações do devido processo sem reduzir a corrupção.
 
Embora se soubesse há muito tempo que Moro havia condenado Lula por "atos indeterminados" e acusações duvidosas, agora se sabe que o próprio Moro dirigiu a construção da acusação contra o ex-presidente, violando o princípio jurídico de que não se pode ser juiz e parte ao mesmo tempo.
 
Quando os advogados de Lula denunciaram que haviam sido espionados ilegalmente na operação Lava Jato, Moro simplesmente garantiu que havia sido um “equívoco” – mas  hoje é possível constatar que os promotores foram periodicamente informados pelos policiais federais responsáveis ​​pelas interceptações das ligações, com o objetivo de traçar estratégias e obter a condenação de Lula.
Moro vangloriou-se em suas conferências das somas recuperadas em favor dos cofres públicos, mas não disse que 50% do dinheiro das multas impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos à Petrobras e à Odebrecht teriam como alicerce privado a lei, cujos gerentes seriam os próprios membros da Lava Jato, juntamente com lideranças de uma ONG.
 
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal suspendeu o benefício.
Se os critérios do juiz Moro para julgar as ações do Cidadão Moro estiverem ausentes, esses diálogos se revelam como atos ilegais. Diante dessas revelações, Moro e os advogados continuaram negando a veracidade dos diálogos. A desvantagem desse argumento é que foi a própria Polícia Federal brasileira, sob as ordens de Moro, quando ele era Ministro da Justiça, que revisou as mensagens e as considerou verdadeiras.
 
Em 2019, os jornalistas do The Intercept receberam 43,8 gigabytes de dados que deram origem a mais de uma centena de artigos sobre a Lava Jato. Até agora, apenas 10% dos 7 terabytes foram analisados, com o que se espera que continuem a aparecer falhas e ilegalidades na operação. Mas mesmo com esse pequeno percentual revisado, os diálogos confirmam que essa operação perverteu a justiça, violou o estado de direito do Brasil e foi fator fundamental na construção dessa utopia invertida que nenhum outro país vive, como crise política exacerbada e como segundo lugar mundial em número de mortos pela pandemia.
 
Em 2018, quando Moro anunciou que concordaria em ser Ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro, muitos especialistas e defensores da operação ficaram surpresos. Talvez agora eles não estejam tanto. Para ambos, o fim justifica os meios.
 
As consequências dessa conspiração são claras: o Estado de Direito está cada vez mais em perigo com a aprovação de grande parte do establishment político e econômico que apoiou cegamente a operação Lava Jato e que agora apoia a chegada de um político acusado de corrupção à presidência da Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo que o presidente desmonta grande parte das instituições de combate à corrupção e ao crime.
 
Ao todo, são boas notícias para o Brasil: nem todas as instituições foram cooptadas. Alguns denunciaram esses abusos, ecoando as vozes da sociedade civil que exigem a restauração do Estado de Direito, a começar pela restituição dos direitos políticos de Lula. É necessário continuar monitorando e denunciando essas arbitrariedades e reavaliar criticamente a importância da operação Lava Jato para a justiça e a democracia no Brasil.
 
O exposto não significa que a ação firme da justiça contra a corrupção não seja imprescindível. Ao contrário, é necessário fortalecer os instrumentos para acabar com a relação incestuosa entre dinheiro e política.
 
Nota: o The New York Times disse muito, mas ainda disse pouco. Não disse, por exemplo,

que a Lava Jato, essa 'Gestapo de Curitiba', usou vizinhos para espionar os advogados de Lula. E pode ter certeza de uma coisa – o que o Brasil mais quer é justiça e democracia, e todos esperamos que isso se torne possível, no mínimo, com o resultado da próxima eleição presidencial.

 

Leia mais no The New York Times e no Brasil247.
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