24/10/2020 às 14h42min - Atualizada em 24/10/2020 às 14h42min

O AVANÇO CHINÊS

MAIS FORTE DO QUE O CORONAVÍRUS


No debate com seu adversário Joe Biden, transmitido pela televisão no mês passado, Donald Trump provocou: “A China comeu seu almoço, Joe”. Com a temperatura da campanha presidencial americana subindo cada vez mais, pode-se esperar mais e mais provocações. Mas o que Trump diz é mais do que provocação: é um posicionamento claro das lideranças políticas e econômicas do país. A China tornou-se um “vilão global”, uma “praga” que se espalha pelo mundo, enquanto “rouba” empregos e propriedade intelectual dos Estados Unidos. Biden não ficou atrás no anti-chinesismo, chamou o líder chinês, Xi Jinping, de “bandido”. Está certo isso?
 
A China, cada vez mais, projeta-se como próximo poder número 1 no cenário mundial. Mas como será que a China de Xi Jinping vai manter seu projeto de grande potência mundial? É a pergunta que o correspondente do Financial Times em Hong Kong, James Kynge, faz a partir de três livros que tentam mostrar quais forças guiam a missão de Pequim pela posição de superpotência e o que isso acarretaria para o planeta.
 
Dois desses livros — China’s Good War (A Boa Guerra da China), de Rana Mitter, e Superpower Interrupted (Superpotência Interrompida), de Michael Schuman — procuram mostrar o poder da história para moldar a autoimagem e a posição estratégica da China. O outro —The Emperor’s New Road (A Nova Estrada do Imperador), de Jonathan E. Hillman — mostra como a China projeta seu poder pelo mundo.
 
Michael Schuman, correspondente estrangeiro na Ásia por 23 anos, tira o maior partido disso. Ele identifica o fundador da dinastia Ming (1368-1644 a.C.), o imperador Hongwu, como ancestral espiritual de Xi Jinping, atual líder chinês. Segundo ele, ambos criaram regimes personalizados e teriam alimentado o vitimismo para abastecer o nacionalismo – o que é uma afirmação bastante discutível. Como exemplo, lembram que o imperador Hongwu, Zhu Yuanzhang, via a sua própria dinastia como a renovação do domínio chinês, após um século sob o domínio mongol. Xi seria aquele que se mostra como o herói da nação chinesa depois das humilhações impostas pelas potências ocidentais. Mas será que o certo é chamar isso de vitimismo? Claro que não. A China, simplesmente, é um país que, apesar de tudo que passou, conseguiu recuperar-se e construir um caminho de liderança.
Segundo o jornalista, a mentalidade do “nós contra eles” que Xi que estaria aplicando cada vez mais aos negócios com o resto do mundo teria ficado clara em um discurso que ele fez em 2014 na Universidade de Pequim.
“A China costumava ser uma potência econômica mundial. Mas perdeu sua oportunidade no rastro da Revolução Industrial e das mudanças consequentes, foi deixada para trás e humilhada sob invasões estrangeiras. Não devemos deixar que essa trágica história se repita. A China nunca mais irá tolerar ser ameaçada por nenhum país”, disse Xi. Chamar isso de mentalidade do “nós contra eles” é um absurdo, um preconceito contra um país que, apesar dos pesares, conseguiu se reerguer e pretende fazer tudo para não voltar a ser saco de pancada.
Eles lembram que Deng Xiaoping (arquiteto das reformas de livre mercado da China nos anos 1970) inaugurou um período de abertura e de interação comercial inédita com o mundo, mas que, nos últimos anos, Pequim teria esfriado em relação ao Ocidente. Se a dinastia Ming construiu a Grande Muralha, Xi teria erguido um “firewall” para bloquear influências estrangeiras pela internet (no que fez muito bem). A economia hoje prioriza os atores estatais sobre os privados, e estaria impondo um regime mais restritivo para estrangeiros, o que é bastante natural.
 
Os reveses inerentes a essa mentalidade ficam claros no livro de Jonathan E. Hillman. A “nova estrada do imperador” do título se refere à Iniciativa Cinturão e Estrada da China (Belt and Road Iniciative ou BRI, na sigla em inglês), programa lançado em 2013 para construir infraestrutura em valor superior a 1 trilhão de dólares, em mais de cem países, para reforçar a influência internacional da China.
O livro de Hillman salienta que a China ainda não encontrou uma forma de projetar sua influência além de suas fronteiras de modo a reforçar seu prestígio nacional. Esse ponto seria crucial, porque se o BRI seguir sem reformas minará os esforços chineses para projetar sua imagem no mundo.
 
Rana Mitter, professor na Universidade de Oxford, aborda essas reivindicações em “China’s Good War”. O título do livro pretende ser um pouco irônico. Em termos humanos, as perdas da China na luta com o Japão na Segunda Guerra Mundial são estimadas em pelo menos 10 milhões de civis chineses e cerca de 4 milhões de soldados chineses e japoneses. Mas o sentido em que a guerra foi “boa” está no fato de que a China prevaleceu, conseguindo participar da criação da ordem mundial no pós-guerra.
 
“Pequim hoje diz que a China foi um criador da ordem que surgiu em 1945, e que a ameaça vem dos Estados Unidos, não da China”, escreve Mitter. Todo país canaliza sua própria história ao lidar com o mundo exterior. Mas a história da China é tão longa e variada que pode ser difícil saber que ecos repercutem mais alto em Pequim em determinado momento. Esses três livros pretendem que o leitor — e o próximo governo dos EUA — se prepare para o que a China poderá fazer agora.
Uma coisa é certa – os Estados Unidos de Trump e Biden estão em pânico diante do avanço chinês. É melhor começar a aprender o que significa “Nǐ hǎo ma”...
 
Leia também na Folha.
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