13/09/2020 às 06h42min - Atualizada em 13/09/2020 às 06h42min

DESDEMOCRATIZAÇÃO

O MUNDO EM MARCHA À RÉ?


A desdemocratização está no ar. Aqui no Brasil, com a chegada de um governo de cunho fascista, é facilmente percebido. Mas o pior é que isso está se revelando como tendência mundial. É o que se pode comprovar pelo DeMaX, um estudo que avalia mais de 200 itens de liberdade política, igualdade e controle legal em 179 países, desde o ano de 1900. No DeMaX, por exemplo, a Índia, considerada a maior democracia do mundo, não é mais a mesma. Com 1,366 bilhão de habitantes, ela apresenta perda de liberdade religiosa, repressão a protestos, violação de direitos humanos,  rota de colisão com o Judiciário – e com isso perdeu o rótulo de democracia em 2019.

Com a Índia, foram 13 os países que seguiram esse caminho de queda, contra apenas 3 que deixaram de ser autocracias para se transformarem em democracias – Maldivas, República Centro-Africana e República Dominicana.
Sem perder inteiramente a classificação de “democracia”, 107 países caíram na pontuação democrática, enquanto apenas 69 avançaram.

O interessante é que, como diz o diretor da DeMaX, Hans-Joachim Lauth, professor da Universidade de Würzburg (Alemanha), a democratização estagnou, sem necessariamente criar ditaduras (como brasileiro, você certamente está sentindo algo familiar...).

O mapeamento identifica, desde 2012, uma convergência em direção ao centro do espectro político e o aumento expressivo de regimes híbridos (que combinam características autocráticas com características democráticas, misturando eleições livres, estilo governamental autocrático e Estado de Direito fraco).
Para esse grupo caminharam tanto 3 ex-autocracias quanto 12 ex-democracias — que, entre outros, incluem Bolívia, Níger e Montenegro.

Em 2019, 41 Estados foram classificados como híbridos pela DeMaX, ou 23%. É a segunda maior fatia, depois das 46 democracias incompletas (26% do total), das quais 22 revelaram quedas significativas de qualidade.
E aí se encaixa o Brasil, que, tristemente, é citado como um dos principais exemplos da onda de desdemocratização, ao lado da Hungria, da Turquia e da Sérvia.
A pontuação brasileira recuou 32% na última década, passando de 79,6 (numa escala de 0 a 100) em 2010 para 60,2 em 2019.

“No Brasil, a eficácia do governo foi drasticamente reduzida, principalmente devido ao aumento da corrupção e à difícil cooperação entre o presidente e o Legislativo”, afirma Lauth.
No subquesito de estabelecimento e implementação de regras, o Brasil tem 43 pontos, abaixo dos 50 mínimos para mostrar um funcionamento democrático, muito atrás das democracias plenas (que precisam ter no mínimo 75 pontos em todos os 8 subíndices).

No campo mais mal avaliado do Brasil, entram aspectos como controle do governo por Legislativo e órgãos como Tribunal de Contas e Procuradoria Geral, independência do governo, respeito pelo governante aos direitos de personalidade, administração pública imparcial e não discriminatória e igualdade de tratamento pelo Legislativo.

O coordenador do estudo aponta ao menos três causas do movimento global de convergência dos regimes para o centro do espectro político.
No lado da desdemocratização, houve “crescente complexidade e incontrolabilidade do mundo, que impulsionou o populismo e aprofundou as divisões sociais”.
“A má governança nas democracias, especialmente nas deficientes, como o Brasil, também contribuiu para a perda de confiança da população nos atores políticos, o que foi explorado por tendências autoritárias”, afirma Lauth.
No outro lado do espectro, alguns elementos democráticos são mantidos, para evitar a condenação internacional, argumenta o professor: “Uma recaída abrangente na direção de autocracias viola os padrões que estão estabelecidos no mundo atual”.

A desdemocratização vai além da gangorra de números de países em cada classe e atinge as próprias instituições. Em 2019, melhorias na qualidade da democracia superaram pioras em apenas 4 dos 15 campos analisados, o que mostra um saldo negativo para o estado da democracia.
De todos os critérios, o que mais recuou foi a comunicação: países que aumentaram restrições à liberdade de expressão e mídia representam o dobro dos que mostraram a tendência oposta.

Houve um refluxo em relação à última onda de democratização, no início dos anos 1970, segundo Lauth: “Durante décadas, o desenvolvimento dinâmico de uma imprensa livre foi o elemento democrático mais distinto, além das eleições”.
Naquela época, mesmo em regimes autoritários e híbridos houve liberalização, ainda que em menor grau.
“Infelizmente, isso regrediu na última década. As tentativas de muitos governos de impedir e regular a imprensa contribuíram significativamente para a diminuição da qualidade da democracia”, diz o professor.
A deterioração da liberdade de expressão na análise feita pela DeMaX é ainda mais preocupante porque seu conceito é mais rígido que os adotados por outros indicadores como o ranking Freedom in the World (FIW), da Freedom House, e o Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit.
O ranking da universidade alemã considera que houve deterioração da liberdade de opinião se houver mudanças legais ou outras barreiras institucionais.
Não inclui, portanto, ataques verbais a jornalistas ou disseminação de fake news, que se intensificaram em países como os EUA ou o Brasil.
Isso explica por que a DeMaX registra pouca mudança recente nos EUA, que, com seus 329 milhões de habitantes, assumiu o posto de maior democracia do mundo após o tropeço indiano.
Após a posse de Donald Trump, em 2017, o país deixou a categoria superior de democracias no ranking da Freedom House e é visto como democracia falha pela Economist. Ambos os institutos incluem aspectos de cultura política, participação popular e níveis socioeconômicos em suas análises, diferentemente da DeMaX.
“Mesmo que a brutalização da linguagem, a divulgação de notícias falsas, a negação de conhecimento científico ou declarações erráticas de chefes de Estado sejam problemáticas, o direito à liberdade de expressão e de imprensa ainda existe em grande parte e não foi restringido por mudanças legais”, afirma o estudo.
Os EUA são vistos como um país que, ao longo de décadas, é marcado por uma democracia não igualitária, em que “valores mais baixos de igualdade estão ao lado de valores mais elevados de liberdade e controle”.
Ainda que a qualidade democrática americana não tenha mudado nos últimos anos para retirá-lo dos 37 da elite, houve um recuo de 10% em sua pontuação, para 82,5, em relação aos 91 de seu ponto mais alto, em 2009.
Com isso, os EUA registraram no ano passado a terceira menor qualidade entre as democracias operantes.
Podem ser o caso mais controvertido do estudo, mas é nos seus calcanhares que está a estrela da DeMaX 2019.
A Jamaica, com 81,7, foi o único país a entrar para o grupo das democracias operantes, deixando Israel, com 81, na lanterna.
 
Com base em reportagem da Folha.

 
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