O ombudsman é a consciência crítica dos meios de comunicação. Melhor dizendo, autocrítica. Ou, como diz a Wikipédia, é um cargo profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa com a função de receber críticas, sugestões e reclamações de usuários e consumidores, com o dever de agir de forma imparcial para mediar conflitos entre as partes envolvidas. Etimologicamente, o termo deriva do nórdico antigo umboðsmaðr, significando essencialmente "representante".
A jornalista Flavia Lima, ombudsman da Folha de São Paulo, mostrou na sua coluna deste domingo (23), com todas as letras bem digitadas, a importância que a função tem para o avanço das sociedades não “primitivas”. Tratou de dois assuntos que realmente tiveram impacto forte em nosso país, ao mesmo tempo em que mostra a Folha como um veículo que às vezes beira o vergonhoso.
Flavia tratou como “circo de horrores” o editorial da Folha, na semana que passou, que equipara o troglodita Bolsonaro a Dilma Rousseff, com o objetivo de defender o teto de gastos. Para Flavia, o jornal “abandonou a seriedade” ao abordar o limite de gastos públicos através da comparação. “Dilma Rousseff acreditava que a política de gastos desenfreados — que incluía os tais ‘programas redentores de obras públicas e de assistência social’, como diz o editorial — traria crescimento econômico”, diz a jornalista. “Em quase dois anos de governo, é possível dizer que Jair Bolsonaro não é um liberal nem um desenvolvimentista, mas alguém que fará o que for necessário para se reeleger”, continua. Em seguida, Flavia afirma que a Folha utilizou um “artifício infantil” para tentar convencer Bolsonaro a não extrapolar o teto de gastos.
“Para Dilma, ver seu nome associado a alguém que, entre outras coisas, celebra o torturador Brilhante Ustra e já disse, para voltarmos ao tema central deste texto, que não estupraria uma deputada porque ela não merece, significaria o quê? Circo de horrores”, finaliza Flavia Lima.
Em reação ao editorial, Dilma enviou no sábado (22) um pedido de direito de resposta à Folha de São Paulo. Para a ex-presidenta, o texto é “falso e indevido”.
Flavia Lima também trata de reportagens que mostraram menina de dez anos que foi levada a um hospital no Espírito Santo, onde foi descoberta a sua gravidez. A criança, segundo inquérito aberto pela polícia do estado, sofria abusos de um tio havia quatro anos. O caso poderia ser um prato cheio para o sensacionalismo. De fato, a extrema direita, religiosos conservadores e políticos ávidos de holofotes tentaram fazer dele uma espécie de circo de horrores.
Não se sabe como, a informação vazou. Pessoas contrárias ao aborto foram à porta da maternidade pública onde ocorreu o procedimento, no Recife, e tentaram impedi-lo, além de hostilizar os profissionais de saúde da unidade.
Entre os grandes veículos de comunicação, o que chamou a atenção foi a cobertura sóbria e cuidadosa do caso. Na Folha, as reportagens buscaram contextualização, explicando de maneira clara que a lei brasileira autoriza o aborto em casos de gravidez resultante de estupro, risco de morte para a gestante ou caso de anencefalia do feto e que, ainda assim, interpretações médicas ou judiciais podem fazer com que meninas, adolescentes e mulheres tenham seus direitos postergados ou até mesmo não atendidos. O procedimento médico começou no domingo (16). Na noite do mesmo dia, a Folha publicou o nome do hospital onde a menina estava internada.
Mais cuidadoso, o Globo não divulgou o nome do hospital nem mesmo na segunda (17). Em outro bom exemplo, o Jornal Nacional separou alguns segundos para dizer que não diria o nome do suspeito pelo longo histórico de abusos, nem o identificaria de nenhum outro modo para não expor a garota e protegê-la de ataques. Os veículos de comunicação sabem muito bem o que é o certo e o que é errado. Não tem como errar.