Foi há 75 anos, dia 6 de agosto de 1945, às 8,15h. O bombardeiro B-29 chamava-se Enola Gay, em homenagem a Enola Gay Tibbets, a mãe do piloto da aeronave, o coronel Paul Tibbets.
A Segunda Guerra Mundial estava chegando aos finalmentes e o Enola Gay tornou-se o primeiro avião a lançar uma bomba atômica. O alvo foi Hiroshima, no Japão, e causou uma destruição sem precedentes. O impacto, equivalente a 15 mil toneladas de trinitrotolueno (TNT), destruiu tudo em um raio de 1,6 quilômetro, provocando setenta mil mortes de forma instantânea e centenas de milhares nos anos seguintes. Três dias depois, um novo ataque, em Nagasaki, provocaria destruição e morte em escalas semelhantes. Na verdade, o alvo do segundo ataque seria Kokura, mas a visibilidade não estava boa e, para não perder a viagem, os americanos alteraram o alvo e o bombardeio foi feito pelo B-29 "Bockscar".
Depois da guerra, o Enola Gay voltou para os Estados Unidos, onde passou a operar a partir de Roswell Army Air Field, no Novo México. Ele foi levado para Kwajalein para a Operação Crossroads, que promoveu testes nucleares no Pacífico, mas não foi escolhido para fazer o teste no atol de Bikini. Mais tarde, naquele ano, foi transferido para o Instituto Smithsonian e passou muitos anos estacionado em bases aéreas e exposto ao tempo, antes de ser desmontado e transportado para instalação de armazenamento do Smithsonian em Suitland, Maryland, em 1961.
Com seus ataques sem precedentes contra um país já em ruínas, as bombas americanas foram referência de todo o período do pós-guerra, definido entre quem possuía e quem não possuía seus próprios arsenais. Hoje, esse é um clube restrito de nove países (Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, China, Israel e Coreia do Norte), nem todos sujeitos às ferramentas de controle estabelecidos ao longo dos anos — mecanismos que estão diante de um processo de enfraquecimento ou mesmo eliminação, diante das mudanças no cenário internacional.
O principal deles é o Tratado de Não Proliferação (TNP), de 1968, que impôs limites ao acesso às armas nucleares e trazia a premissa de um eventual desarmamento das potências atômicas então reconhecidas. Mas os arsenais aumentaram exponencialmente nas décadas seguintes, em uma tendência só revertida nos anos 1980, depois de uma série de acordos e compromissos entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética.
Esse processo hoje está em risco sob Donald Trump, que já acusou a Rússia de violar alguns dos tratados em vigor, e fez disso argumento para abandoná-los. Em 2018, ele anunciou a saída dos EUA do Tratado de Forças Intermediárias, que reduziu os estoques de mísseis balísticos com alcance entre 500 km e 5 mil km. Em 2020, também alegando violações russas, ele deixou o Tratado dos Céus Abertos, sobre o monitoramento de atividades militares na Europa e América do Norte. Agora, põe em xeque a renovação do Novo Start, que estabelece limites para as ogivas nucleares de longo alcance e expira em fevereiro de 2021.
— Isso é incrivelmente perigoso e desestabilizador — afirmou Geoff Wilson, analista do Centro de Controle de Armas e Não Proliferação, em Washington. — Em um momento em que quase todo Estado nuclear está expandindo ou atualizando seu arsenal, os EUA mandaram um sinal errado, de que nós também colocamos mais valor em desenvolver essas amas do que em reduzir sua presença no mundo. Wilson se refere às recentes iniciativas de Rússia e EUA para uma atualização de seus arsenais e tecnologias. No caso americano, os custos de manutenção e modernização foram estimados em US$ 1,3 trilhão entre 2017 e 2046. E a Rússia desenvolve novas armas que posiciona em áreas consideradas sensíveis, como a Crimeia, anexada por Moscou em 2014.
Apesar de cada vez mais Washington ter na China o seu principal concorrente nas guerras comerciais e na disputa pela tecnologia 5G (os chineses estão bem à frente), incluiu, por conta própria, a China em seus planos para a renovação do Novo Start, mesmo com a grande diferença de arsenais — a China tem 290 ogivas, os EUA 6.185 — e com a proclamada falta de interesse de Pequim em fazer parte de um acordo.
— A política nuclear chinesa é condizente com a chamada dissuasão mínima: o país busca garantir a posse de uma capacidade retaliatória suficiente para o caso de que seu território sofra um ataque nuclear. Nesse contexto, autoridades chinesas afirmam que não faria sentido promover reduções adicionais em seus arsenais — afirma Layla Dawood, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ela menciona a reconfiguração do sistema internacional, com a ascensão da China, que também está modernizando seus arsenais, e uma ação mais agressiva da Rússia no âmbito regional. — Nesse cenário, diminui a disposição dos EUA em firmar novos tratados de controle de armas ou de manter os acordos que de algum modo diminuam o seu poderio militar — opina a professora Dawood, que conclui: — As perspectivas de desarmamento nuclear têm sido baixas. Não há precedente histórico de um Estado que tenha tido um arsenal nuclear completamente operacional e que tenha aberto mão desse arsenal.
É triste para a humanidade viver sob essa perspectiva. E para nós, nesse Brasil de Bolsonaro, só nos resta pôr a mão na cabeça...