01/07/2020 às 13h55min - Atualizada em 01/07/2020 às 13h55min

HOJE NÃO TEM ENTREGA PELOS APLICATIVOS

GREVE MOBILIZA PRESTADORES EM TODO O BRASIL


O desabafo do brasileiro Paulo Lima, que passa horas em cima de uma moto, correndo riscos e enfrentando o coronavírus, é o triste retrato de milhões de entregadores nesse país do trabalho precarizado.
Ninguém sabe quantos eles são, mas estão cada vez mais presentes nas ruas do Brasil. Com motos, bicicletas próprias ou alugadas e até a pé, os entregadores dos APPs estão sendo fundamentais nesse momento da crise do coronavírus para levar compras e comidas para quem está cumprindo o isolamento social. E eles, quais são os cuidados que os APPs estão dispensando a esses trabalhadores?

O discurso do mundo maravilhoso do empreendedorismo com liberdade de hora para trabalhar e sem patrão foi desmascarado com o agravamento da pandemia.
A primeira greve nacional dos entregadores foi convocada para essa quarta-feira, primeiro de julho. Se eles cresceram com os diversos aplicativos que surgiram na internet, foi através das redes sociais que eles organizaram o movimento. O aumento do valor das corridas e pacotes, da taxa mínima por entrega, contra os bloqueios e desligamentos arbitrários, o fim do sistema de pontuação, seguro de roubo, acidente e vida e auxílio pandemia, que inclui o Equipamento de Proteção Individual (EPI) e licenças, são as reivindicações dos grevistas.

O movimento dos entregadores dos APPs recebeu apoio  internacional, porque a luta por melhores condições de trabalho e remuneração é mundial. O desafio é a regulamentação da profissão. “É uma tomada de consciência da exploração a que estão submetidos, por isso a greve é extremamente positiva e tem recebido apoio de trabalhadores e das entidades que os representam como é o caso da Confederação dos Trabalhadores das Américas (CSA) que enviou uma carta de solidariedade aos entregadores brasileiros”, diz o diretor de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa. Também veio apoio da Argentina, Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala e México.


A profissão já é regulamentada em países como a França e a Inglaterra e até em alguns estados dos Estados Unidos, como a Califórnia, mas o trabalho dos entregadores é mesmo precarizado na maior parte do mundo, diz o professor do Departamento de Prática Jurídica e Coordenador da Clínica de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sidnei Machado. Ele participou da pesquisa da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir) que revelou o aumento da jornada de trabalho durante a pandemia, mas o rendimento caiu.
“O protótipo de trabalho precário é modelo dessas empresas que são capitalistas globais. Elas acabam promovendo o entendimento do trabalhador de que ele é autônomo, mas na verdade não é. E como o lobby dessas empresas, tanto aqui como no exterior, é muito poderoso, dificilmente haverá uma regulamentação da profissão”, diz Machado. E ele aponta como empecilho o governo de Jair Bolsonaro. “Os projetos não têm hoje a menor chance de tramitar no Congresso. Além do lobby imenso das empresas, temos um governo que está desregulamentando o trabalho, ao invés de proteger os direitos dos trabalhadores”.  
A professora visitante do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Ana Claudia Moreira Cardoso participou de uma pesquisa com esses trabalhadores em plataformas digitais. “Qual é a lógica dessas empresas?Empreendedorismo, flexibilidade como sinônimo de liberdade”, questionou durante uma conferência da Escola Dieese de Ciências do Trabalho, nessa terça-feira, 30 de junho, que foi acompanhada pela equipe do Brasil de Fato.
A professora revelou alguns dados da pesquisa realizada entre 13 e 27 de abril com 298 entregadores de 29 cidades. A maioria, 83%, se concentra em quatro capitais (São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Curitiba). Quase 60% deles relataram jornadas diárias acima de nove horas e 8% disseram ficar na rua mais de 15 horas por dia. E 78% deles trabalhavam de seis a sete dias por semana. “Então, a pergunta é: onde está a flexibilidade?”, questionou a pesquisadora. 

Mais trabalho, menos rendimento, outra terrível constatação do levantamento. Antes da pandemia, quase metade dos entregadores de aplicativos entrevistados (48%) recebia até R$ 520 por semana, ainda tendo que bancar gastos com manutenção do veículo, combustível, celular. O risco e o gasto são inteiramente do entregador. Além disso, ele pode ficar doente ou sofrer acidente, ter avaria na moto, o que o impede de trabalhar e, consequentemente, de ser pago. Com a crise, quase 60% apontaram queda no rendimento. E 84% disseram trabalhar com medo de contrair o coronavírus.

“A maior parte disse que não houve nenhuma medida protetiva. Dos que indicaram que houve, a maior parte disse que foi (a medida) uma frase escrita embaixo do pedido”, diz a professora. Ela lembra ainda que entre as reivindicações do movimento está o fim dos bloqueios, quando o trabalhador é “suspenso”, sem nenhuma explicação, do aplicativo. E ele não tem acesso aos seus próprios dados” ressalta a professora Ana Claudia Moreira Cardoso.

“Os entregadores de aplicativos são trabalhadores precários”, em uma região já marcada pela precariedade e pela informalidade, reforça Ruy Braga, professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e vice-coordenador do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic), também participante do encontro do Dieese.
Segundo ele, antes a face mais evidente do trabalho precário era a do terceirizado. Agora, são os informais. Em um cenário que não oferece “nenhum horizonte de superação da informalidade”, diz ainda o professor. Não só pelo desemprego elevado, mas pela própria desestruturação do mercado formal de trabalho, após sucessivas reformas e com a mitigação de direitos. O horizonte é “sombrio”, avalia. 

E o próprio IBGE confirma o temor do professor Ruy Braga. Segundo pesquisa divulgada, nesta semana, pela primeira vez, o Brasil tem mais desempregados do que empregados. Segundo economistas, não há sinais de melhora do emprego nos próximos meses. A expectativa é de mais demissões, mesmo com a flexibilização do isolamento social. 
A professora da UFJF, Ana Claudia Moreira Cardoso, faz  um alerta para os sindicatos e trabalhadores que estão empregados. Ela considera “um grande risco” do chamado “home office” virar definitivo porque essa modalidade tem uma “legislação péssima” no Brasil, sem limites de horário ou regras efetivas de saúde. 
O professor da USP, Ruy Braga, ressaltou que os sindicatos têm de se reinventar, se aproximar mais dos trabalhadores. “O jogo mudou, o campo, as regras, os próprios jogadores. Além de adotar novas formas de comunicação, é preciso desconstruir a imagem formada do empreendedorismo. Esses trabalhadores não são autônomos, não são independentes”, afirmou Braga.

Nas redes sociais, é forte o apoio à greve dos entregadores dos APPs. As duas hashtags referentes ao movimento #BrequeDosApps e #GreveDosApps estão no topo do Twitter desde o início dessa quarta-feira.

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