13/04/2020 às 15h09min - Atualizada em 13/04/2020 às 15h09min

DEBATE NO PT

VAL CARVALHO CRITICA RESOLUÇÃO DO DIRETÓRIO NACIONAL

 
SOU PT, da CNB (Nota D&D: trata-se da tendência interna e majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil), mas não poderia deixar de manifestar a minha crítica e descontentamento com a última Resolução Política do Diretório Nacional, que gerou inclusive o manifesto dissidente “EM DEFESA DA VIDA, FORA BOLSONARO”, assinado por mais de um terço da bancada de deputados federais do partido.

1- Sempre concordei com as análises de conjuntura feitas pelo campo majoritário do PT. Após nossa séria derrota histórica pelo golpe do impeachment o campo majoritário soube incorporar as críticas e fazer a autocrítica dos erros que ajudaram a vitória dos golpistas.

2- A partir de então, nossas análises de conjuntura têm como parâmetros táticos a autocrítica e a acumulação de forças a partir da disputa na esquerda e na sociedade pela retomada de nosso protagonismo político.

3- A vitória de Bolsonaro nos colocou diante de um enorme desafio, que é o de lutarmos pela sobrevivência da própria democracia. A natureza da luta mais geral é agora da civilização contra a barbárie.

4- No governo, Bolsonaro nunca deixou de tentar golpear a democracia e a Constituição para impor ao país o seu projeto de ditadura pessoal. No início desse ano promoveu rebeliões nas PMs e manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo. Ele buscava a cada momento provocar o caos social para poder intervir como o defensor da ordem, mas de uma ordem autoritária e fascista.

5- Em março, com a chegada da pandemia ao Brasil, o processo golpista de Bolsonaro sofreu uma séria reversão. Em pouquíssimo tempo ele perdeu significativas parcelas de poder e de influência social, isolando-se inclusive no seu governo e junto à cúpula militar que o sustentava. Os militares chegaram a fazer uma intervenção no Planalto para cercear os poderes do presidente e assim impedir que ele demitisse o ministro da Saúde e pusesse fim à quarentena.

6- Instalou-se no país uma situação de desobediência civil do Congresso, governadores e prefeitos com a grande mídia denunciando direto os crimes de Bolsonaro contra a vida da população.

7- Portanto, desde que assumiu, Bolsonaro nunca esteve tão fragilizado e deslegitimado como nesse momento. Tanto assim que as próprias elites conservadoras que o elegeram já começaram a se descartar dele, sendo a intervenção militar no Planalto maior exemplo disso.

8- Essa intervenção - na prática, um golpe palaciano para conter um presidente politicamente insano - não foi criticada por ninguém, nem mesmo pela maioria do DN. Ao se omitir nesse ponto a Resolução se contradiz com a defesa abstrata que faz da legalidade sem considerar a realidade de um presidente que comete o crime de lesa-humanidade. Se não fosse por esse golpe palaciano o isolamento social não existiria mais e estaria comprometido o combate à pandemia, elevado pela Resolução como nossa única prioridade na conjuntura.

9- Como disse, sempre apoiei as Resoluções políticas do DN, mas nunca vi uma resolução tão equivocada, mal formulada e prolixa, como esta última.

10- Em poucas palavras, a Resolução reduz a pandemia a uma crise puramente sanitária, sem conseguir entender que ela está no centro de uma seríssima crise política e institucional. Qualquer decisão “puramente” sanitária tem de enfrentar uma disputa política com o presidente da República. Embora seja altamente prioritário “cuidar da saúde e da vida do povo” esta não pode ser a única prioridade de um partido de esquerda na atual conjuntura.

11- A Resolução adverte para não cairmos nas “armadilhas de Bolsonaro”. Porém, diante do esforço permanente de Bolsonaro para demitir o ministro da Saúde e acabar com o isolamento social, a “armadilha” real pode ser a do legalismo descolado da conjuntura defendido na Resolução, o que pode acabar favorecendo a continuidade presidente-criminoso. Contra o alto risco que Bolsonaro representa para o combate à epidemia só existe um remédio: o seu afastamento da presidência seja por meio de interdição, impeachment ou improvável renúncia.

O aprofundamento da crise e a ampliação da oposição suprapartidária encontrarão o caminho mais curto. Uma coisa é absolutamente certa: enquanto for presidente, Bolsonaro fará de tudo para golpear a quarentena, as medidas médicas e o que ainda resta de democracia. E contra isso temos de ajudar na luta de todos pelo afastamento de Bolsonaro, atuando como protagonistas na ampla frente sanitária nacional que se formou como reação à insanidade do presidente e que conta com desobediência civil do Congresso, governadores, prefeitos e sociedade civil organizada.

Enfiar a nossa cabeça no buraco, como um avestruz, só se preocupando com o lado sanitário da crise, não resolverá a crise política maior - além de nos afastar do centro do palco político nacional.

12- A Resolução evita disputar a oposição democrática contra Bolsonaro por meio da apresentação detalhada das medidas corretas, mas pontuais, às quais define estranhamente como sendo a “construção de diques de contenção em defesa da democracia”.

13- O pior mesmo é dizer que “compreende e respeita as manifestações de panelaço e os gritos de ‘Fora Bolsonaro’”, mas a nossa “prioridade na conjuntura imediata é focar no combate à pandemia”, como se fôssemos simples médicos e não um partido político de esquerda. Nas condições concretas do isolamento social, panelaços, redes sociais, solidariedade social e videoconferências são formas de lutas tanto quanto as ruas seriam em outro momento. Como já foi dito, tal posição é como se o PT estivesse de quarentena política e terceirizasse a solução da crise para a burguesia não bolsonarista.

14- Tal formulação, ao invés de nos colocar como parte ativa do repúdio do povo a Bolsonaro, nos deixa de fora da luta mais geral, como um tio sensato entendendo a rebeldia do sobrinho, mas aconselhando moderação. Soa como se dissesse o seguinte: vamos cuidar da saúde do povo, porque da política geral quem cuida são “eles” – que não são sujeitos indefinidos, mas os militares e o centrão, com Maia, Doria e demais governadores dos partidos deles, e também dos partidos da esquerda.

15- Na conclusão, a Resolução tenta sair pela tangente falando da necessidade de “acumular forças para construir com o povo uma saída que signifique a derrota global do projeto neoliberal autoritário”. Mas uma verdade assim tão genérica, que não dialoga com o repúdio da sociedade a Bolsonaro, é uma verdade inócua para dar direção política concreta. Na luta política, acumulação de forças significa não apenas a simples soma, mas a atuação para dividir e reduzir a força do inimigo principal – 17% arrependidos – e a multiplicação das forças da oposição, supondo a nossa ativa intervenção política na conjuntura nacional.

Val Carvalho
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