13/03/2020 às 13h15min - Atualizada em 13/03/2020 às 13h15min

CORONAVÍRUS

VIROU A CHINA, VIROU O MUNDO


Coronavírus mudará o mundo? É o que pergunta Jamil Chade no texto que escreveu para o UOL. Na verdade, não cabe uma pergunta. O coronavírus já mudou o mundo. Mudou principalmente a forma como o mundo se vê e vê o resto mundo. Por exemplo: apesar da grandeza da China (em todos os sentidos), poucos têm noção do seu papel de destaque na economia mundial. E é por causa desse destaque que a pandemia  do coronavírus “coloca em xeque o sistema mundial e modelos de política e economia no século 21”.
 
Chade destaca  que “na fábrica da Fiat Chrysler na Sérvia, a montadora anunciou ainda no final de fevereiro que seu modelo Fiat 500L teria sua produção suspensa. O motivo: a falta de peças e componentes - vindos da China - diante da quarentena estabelecida pelo governo de Pequim para frear o coronavírus”. E poucos sabem do conglomerado industrial ítalo-americano (Fiat e Chrysler) que está entre os fundadores da indústria automobilística europeia, com sede em Amsterdam, ações nos Estados Unidos e na Itália... e que é inteiramente dependente das peças chinesas!
 
O mercado americano ainda tem outras preocupações com a saúde de sua economia: 90% dos antibióticos, vitaminas e tantos outros produtos são hoje fornecidos por fábricas instaladas... adivinha onde! Exatamente... na China! Jamil Chade observa que “a última vez que uma empresa americana produziu em solo americano um pacote de penicilina foi há mais de 15 anos”!
 
Pense em móveis, em brinquedos, em celulares (aliás, um repórter do Daqui&Dali acaba de adquirir um celular Xiaomi - marca que já existe há 10 anos -, adquirido diretamente da China, através do Mercado Livre...). Pensou? Então saiba que a China é a "fábrica do mundo", responsável por mais de um quarto da produção industrial do planeta!!! Representa 19% do PIB global e 13% de todo o fluxo de comércio. Se o coronavírus tivesse surgido em qualquer outro país (exceto meia dúzia de três...), a economia local não teria sobrevivido, “seria suficiente para jogar dezenas de economias em uma nova recessão”. Diz Jamil Chade que, “apenas na África, 21 economias são praticamente dependentes de exportações de matérias-primas para o mercado chinês, hoje paralisado”.
 
É verdade que as relações internacionais encontram-se no seu “ponto mais frágil em mais de 70 anos”. Nos últimos meses, “a OMC (Organização Mundial do Comércio) teve seu tribunal sucateado e pressões protecionistas têm determinado políticas externas”.
Isso tudo só faz dificultar uma resposta global séria. O mundo fica girando em torno de um Donald Trump idiotizado, que simplesmente corta as viagens de 26 países europeus e, com isso, aproxima o mundo de uma recessão global.
As estimativas são de que o preju para a economia global pode chegar a US$ 2 trilhões, representando a terceira megacrise do século 21 — depois dos ataques terroristas de 2001 e a quebra do banco Lehman Brothers, em 2008, ambos os eventos com os Estados Unidos como epicentro.
Segundo Richard Kozul-Wright, diretor da divisão de Globalização da Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento, “o mundo não aproveitou a crise de 2008 para fortalecer seu sistema. E, agora, poderá pagar um preço elevado”.
Hoje, a dívida do planeta está em US$ 253 trilhões, 322% do PIB mundial. Isso simplesmente tira a “margem de manobra para que governos anunciem novos pacotes de resgate”.
Para Kozul-Wright, “a crise financeira asiática do final dos anos 90 oferece alguns paralelos com a situação atual. Mas a grande diferença é que, naquele momento, a China não tinha o peso que representa hoje”. E “apenas uma resposta coordenada e internacional poderia evitar um ‘derretimento’ da economia mundial”.
 
Para piorar qualquer diagnóstico da crise atual, as “atitudes tomadas por Donald Trump nos últimos dias confirmam esse temor da falta de uma resposta global”. Primeiro, Trump tentou classificar a crise como uma estratégia de seus adversários políticos. Depois, anunciou restrições de viagem e aproveitou para criticar a Europa por ter fracassado no combate ao vírus – o que gerou um imenso mal-estar não apenas na Europa, mas no mundo inteiro. A União Europeia reagiu, claro, e a crise estava instaurada, o que se refletiu no desabamento nas bolsas de valores.
 
O governo Trump em nenhum momento retirou suas sanções e tarifas extras adotadas contra países que, já em situação vulnerável, terão de lidar agora com o surto. O Irã, por exemplo, foi obrigado a liberar 70 mil prisioneiros diante da crise sanitária, pedir empréstimos do FMI e, em recessão, vive um dos momentos mais complicados desde a Revolução de 1979.
 
Na Europa, partidos de extrema-direita se apressaram em usar a crise para declarar que a circulação do vírus era a prova de que a globalização precisava ser freada, que empresas não devem produzir em economias emergentes e que devem ser restabelecidas fronteiras, principalmente contra estrangeiros.
 
Na Itália, Matteo Salvini, da ultradireita, ex-ministro do Interior, insinuou que o vírus poderia ter entrado em um dos barcos de imigrantes, cruzando o Mediterrâneo, e que manter a entrada dessas pessoas era "irresponsável"!!!!! Nem pensou que os casos italianos de coronavírus tinham sido registrados no norte do país, distante dos portos de chegada dos estrangeiros... Na Espanha e na Alemanha, grupos de extrema-direita também passaram a pressionar os governos a suspender a livre circulação de pessoas no espaço europeu, rompendo com o Acordo de Schengen, assinado por 30 países.
 
A grande certeza é que, para o bem ou para o mal, o mundo é outro. E infelizmente continuará convivendo com os vírus trumps e bolsonaros.
 
 
 
Leia também Jamil Chade (com Marco Britto)

 
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