22/01/2020 às 07h53min - Atualizada em 22/01/2020 às 07h53min

​BOLSONARO NA ÍNDIA:

EM BUSCA DA RELEVÂNCIA PERDIDA

 
Sem ter muito o que caçar na selva brasiliense, Bolsonaro partiu rumo à Índia, onde desembarca neste sábado (25). Sua expectativa principal é aprofundar parcerias comerciais. Apesar da enorme distância geográfica e culturais que existem, a aproximação é bem conveniente para os líderes dos dois países, que perderam relevância internacional.
 
Karin Vazquez, professora associada da Jindal Global University, de Nova Délhi, e pesquisadora do Centro de Estudos dos BRICS da universidade chinesa de Fudan, entende que “há semelhanças complicadas entre Bolsonaro e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi”.
 
Enquanto, no Brasil, Bolsonaro exalta os “bons tempos” da ditadura (até mesmo levou para o Planalto uma imensa cúpula de militares), na Índia, a principal força do premier Narendra Modi vem do movimento RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh - "Organização Nacional Patriótica"), um movimento admirador de Adolf Hitler e propagador da supremacia hindu.
 
Karin Vazquez observa que “é um paralelo bem triste, porque são dois países que sempre exerceram uma liderança global, em especial no âmbito da ONU, nas áreas ambiental e de desenvolvimento humano e social. Mas vemos essa liderança em xeque, à medida em que tomam uma direção bastante à direita e enfrentam contestações devido a tantas polêmicas”.
 
Reação à globalização
O economista Jean-Joseph Boillot, especialista em potências emergentes e pesquisador-associado do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (IRIS), de Paris, entende que a emergência de Bolsonaro e Modi é um reflexo dos efeitos negativos da globalização nos anos 1990 e 2000. “Estamos vivendo um ciclo pós-globalização e a chegada ao poder de neofascistas, inclusive no Brasil, é ligada a isso. São países que foram duramente atingidos – e sociais democratas como Lula e o Partido do Congresso de Gandhi, que estavam no comando no auge da globalização, passaram a ser apontados como os responsáveis de todos os males”, analisa.
 
Boillot sustenta que o mundo globalizado acelerou o crescimento econômico dos países que formam o grupo do BRICS. O problema, argumenta, é que o fenômeno também resultou num processo acentuado de desindustrialização tanto na Índia quanto no Brasil, que se traduz em desemprego em massa, especialmente entre os jovens.
 
“Especulou-se muito sobre o fim do BRICS, com o pretexto de que havia um antagonismo entre dois campos: de um lado, os regimes autoritários, representados por China e a Rússia, e do outro os regimes democráticos, como o Brasil, a Índia e a África do Sul. A verdade é que não é tão simples assim”, explica o pesquisador francês. “Por uma coincidência da história, há uma aproximação muito significativa entre não apenas as personalidades de Bolsonaro e Modi, dois populistas autoritários, como há uma tendência de fundo nas sociedades brasileira e indiana”, afirma o autor de Chindiafrique. Ele faz questão de observar que o livro de Adolf Hitler, Mein Kampf, “agora é encontrado em qualquer banca na Índia”.
 
Minipotências unidas
A aproximação entre Brasil e Índia é também uma maneira de ambos se reforçarem como “minipotências”, espremidas entre os Estados Unidos, do lado ocidental, e a China e a Rússia, pelo lado oriental. “Neste ciclo político atual, com um mundo multipolarizado e que vive a pós-globalização, minipotências como Índia e Brasil querem cooperar mais, com o objetivo de aumentarem a própria autonomia, garantirem uma certa independência econômica e tecnológica das grandes potências e terem mais poder de negociação internacional”, afirma Boillot.
 
É por isso, ele frisa, que o continente africano também está na mira do governo Bolsonaro. Em dezembro, o chanceler Ernesto Araújo realizou um giro africano, que incluiu visitas a Cabo Verde, Senegal, Nigéria e Angola.
“Como ele está marginalizado, inclusive pelos Estados Unidos, a prioridade de Bolsonaro é sair do isolamento, assim como Modi. A África se transforma em um continente importante nessa lógica”, indica o pesquisador.
 
Mercado limitado para o Brasil
Ao mesmo tempo em que a Índia representa um mundo de oportunidades comerciais para o Brasil, o modelo de crescimento pouco inclusivo do país é uma barreira forte, ressalta Vazquez. O resultado é que o mercado consumidor é limitado: a Índia ainda tem 600 milhões de miseráveis, 60% da população não têm acesso a saneamento básico e ainda menos pessoas podem comprar carne, o principal produto de exportação brasileira.
 
“Ao mesmo tempo em que desenvolve tecnologias de ponta e investe em lançamentos de satélites, a Índia é um país que tem muitas carências em questões sociais e até em inclusão financeira, com mais de 80% da população de fora do sistema bancário”, lembra a pesquisadora, autora de Relações Brasil-Índia: além dos 70 anos.

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RFI
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