16/06/2022 às 08h27min - Atualizada em 16/06/2022 às 08h27min

​GUERRA DA PEDRA?

OU DO UÍSQUE?



A ilha Hans é um pedaço de rocha em forma de rim, perdida no tempo e no espaço do oceano Ártico. Mas faz 49 anos que tem sido fonte de uma forte disputa territorial para o Canadá. Isso porque ela fica bem no meio da fronteira internacional com a Groenlândia, território autônomo da Dinamarca.
 
Ao longo de décadas, a disputa foi travada de maneiras muitas vezes curiosas. Desde que as tropas canadenses começaram a visitar a ilha, em 1984, para fincar bandeiras com a folha de bordo e deixar para trás garrafas de uísque local, os dinamarqueses têm aparecido regularmente para substituir os itens por aguardente típico e suas bandeiras.
Ministros dos dois países voaram até lá de helicóptero para afirmar suas reivindicações concorrentes e examinar a rocha que alegavam governar.
 
Agora, o impasse diplomático duradouro e — de modo geral — benigno chegou ao fim. Canadá e Dinamarca assinaram um acordo nessa terça-feira, 14, que define formalmente a fronteira marinha no Ártico e resolve a questão da propriedade da ilha Hans: ela será dividida, com cerca de 60% da rocha sendo da Dinamarca e o restante, do Canadá.
Os chanceleres dos dois países compararam a resolução pacífica e bem-sucedida, ainda que ela tenha sido prolongada, com a violência e a turbulência de outras lutas territoriais, principalmente a Guerra da Ucrânia.
 
"Isso envia um forte sinal num momento em que vemos grandes potências violando brutalmente a lei internacional fundamental, como o que a Rússia está fazendo na Ucrânia", disse Jeppe Kofod, ministro das Relações Exteriores dinamarquês.
"Foi a mais amigável de todas as guerras", completou a chanceler canadense, Mélanie Joly. "Mas quando se vê o que está acontecendo no mundo hoje, nós realmente quisemos dar mais impulso e renovar nossas energias para garantir que encontraríamos uma solução."
 
A briga por um pedaço de rocha aparentemente sem importância data de 1973, quando Dinamarca e Canadá travaram negociações sobre os limites e direitos subaquáticos — sem chegar a um acordo sobre a Hans. Há reservas de petróleo e gás no estreito de Nares, de 35 quilômetros de largura, onde se situa a ilha e que separa os dois países.
Michael Byers, professor de direito internacional na Universidade da Colúmbia Britânica, que estuda a soberania do Ártico, pondera que os recursos são muito profundos e que a área é muito cheia de icebergs para tornar viável a perfuração em alto-mar.
"Seria um petróleo extremamente caro. Se estivermos perfurando petróleo nessas profundidades e naquele local, em 10, 20 ou 30 anos teremos perdido a luta contra as mudanças climáticas."
 
Algumas questões em torno de direitos de pesca foram resolvidas há muito tempo por outros tratados internacionais. Mas Joly disse que a fronteira marítima recém-estabelecida entre Canadá e Dinamarca — que ela caracterizou como a mais longa do mundo — dará um exemplo importante para outras nações ao lidar com questões relacionadas ao leito do Ártico e aos recursos que ele contém.
Os ministros disseram que chegar a um acordo envolveu conversas de ambos os países com os inuítes, que vivem em ambos os lados da fronteira e conhecem a ilha como Tartupaluk. Kofod disse que o acordo protege seus direitos de caça e pesca transfronteiriços e garante que a nova divisa não impedirá viagens pela Hans.
Já que Canadá e Dinamarca são aliados de longa data e têm relações amistosas, por que demoraram tanto para chegar a um acordo? Parte da resposta, segundo Byers, é o ritmo lento dos processos da ONU para resolver questões de fronteiras marítimas, regidas pelo Tratado da Lei do Mar de 1982.
Mas ele observa que as entregas de bebidas por tropas de ambos os países, altamente divulgadas, em geral precedem as eleições, sugerindo que alguns governos encontraram valor político em prolongar a disputa. "Foi simplesmente uma maneira de despertar um pouco de sentimento patriótico num contexto totalmente sem risco."
O acordo significará o fim da "guerra do uísque". Os dois ministros trocaram garrafas pela última vez na terça-feira.
 
Manda esse pessoal ir para a Ucrânia tentar a paz. Pensando bem... melhor não! É melhor passar o whisky...
 
Leia também na Folha.
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