05/06/2022 às 08h08min - Atualizada em 05/06/2022 às 08h08min

​NOVA YORK COLOCA PARQUE NO ALTO

É A CRISE DO CLIMA



Faz 10 anos que acordou Nova York para a gravidade da crise climática. E novas obras começam a testar a tolerância local para medidas de proteção contra inundações.
 
O furacão Sandy, em outubro de 2012, é um marco. Foi o alerta violento para um futuro que já bate à porta. A tempestade matou 43 pessoas na cidade e provocou prejuízos de US$ 32 bilhões. Inundou quase meio milhão de domicílios e tornou evidente que a maior frequência desses eventos, somada à elevação do nível do mar, torna inviável a ocupação de 858 quilômetros de costa sem obras de prevenção.
 
No sul vulnerável da ilha de Manhattan, acredite, um parque será demolido para ser erguido três metros acima do nível atual!!! É o Wagner Park, que fica num trecho de Battery Park City, próximo a Wall Street, e que tem arranha-céus construídos sobre um aterro com vista para a Estátua da Liberdade. A obra é parte de vários planos coordenados pela prefeitura e pelo estado e vai incluir a construção de barreiras em torno do Battery Park.
 
Em metrópoles, como se sabe, é impossível propor, aprovar e conseguir apoio público a obras sem navegar um emaranhado de interesses em conflito. A elevação do Wagner Park, marcada para começar em julho, já tem oposição ferrenha da associação Battery Alliance, que reúne 16 mil moradores de 18 condomínios!!!
À Folha o presidente do grupo, Daniel Akkerman, admitiu a necessidade de obras para conter as águas, mas criticou a agência estadual administradora do Battery Park, que ele acusa de ignorar argumentos da comunidade. Além de a obra acabar com uma área de esportes por dois anos, tempo previsto para o processo ser concluído, o Wagner Park não foi inundado pelo furacão Sandy, não está situado num nível exposto como o resto da área e "até o ex-prefeito Michael Bloomberg concorda conosco", diz Akkerman, citando o bilionário e primeiro chefe da cidade a fazer do ambiente uma agenda prioritária.
Ele sugere que a obra atende a interesses comerciais para criar atrações turísticas, como restaurantes, enquanto os que vivem nos 18 condomínios já pagam impostos extras para manutenção da área verde.
Os americanos usam a expressão "não no meu quintal" (NIMBY, na sigla em inglês) para se referir à aversão automática de moradores a mudanças. A reação faz, por exemplo, nova-iorquinos abastados se revoltarem cada vez que a prefeitura tenta abrir novos abrigos para moradores em situação de rua.
A disputa que se forma na península que abriga a maior extensão de praias acessíveis por transporte público aos nova-iorquinos vai testar a força dos argumentos ambientais contra os interesses dos quintais. As obras da costa de Rockaway, imortalizada na canção "Rockaway Beach", dos Ramones, e habitada por um mosaico étnico de 130 mil moradores, forçaram o fechamento de praias e enfureceram moradores e pequenos comerciantes que precisam dos três meses de verão para fechar as contas.
Uma manifestação foi convocada em maio, e John Cori, fundador da Amigos de Rockaway, explica que o problema é a falta de assistência a comerciantes e de outras soluções para abrandar a mudança de rotina. Mas o foco maior do comitê municipal que representa os interesses locais é bloquear a construção de 12 mil apartamentos na área, que tem vastas extensões de terrenos de propriedade da prefeitura.
Numa reunião do grupo nesta semana, foi aprovado um documento para cobrar exigências ambientais ao prefeito e à Câmara Municipal. Cori afirma que a argumentação política hoje passa pela preservação e cita a ausência de rotas de saída numa tempestade, as inúmeras obras prometidas, mas não realizadas desde o furacão Sandy e a falta de estudos de impacto ambiental.
 
É difícil hoje encontrar quem defenda cruzar os braços diante da sucessão de eventos climáticos extremos, como o furacão Ida, em setembro passado, que matou 45 pessoas afogadas dentro de casas e carros e transformou túneis do metrô em leitos de rios furiosos. Mas numa metrópole densa e desigual como Nova York, a bandeira da justiça ambiental acrescenta complexidade à cadeia de decisões públicas.
A cidade está na reta final do debate sobre o Ato de Liderança em Clima e Proteção Comunitária, aprovado no ano passado e que garante a alocação de recursos para reduzir a poluição do ar, aumentar áreas verdes em bairros de renda mais baixa e encontrar soluções para moradia.
"Os nova-iorquinos enfrentam a mudança de clima desigualmente", diz à Folha Paul Galley, professor da Universidade Columbia e líder do Projeto de Resiliência de Comunidades Costeiras. "Se você mora em conjuntos habitacionais em terrenos baixos, está exposto a impacto maior porque eles geralmente sofrem com manutenção falha e têm menos acesso a serviços de emergências em grandes tempestades."
Nova York, diz Galley, é um manual de complexidade, pela diversidade da costa e a concentração de 8 milhões de habitantes. A infraestrutura antiga, acrescenta, faz com que qualquer obra para reinventar a costa se torne um enorme desafio. O professor critica a decisão do governo municipal de parar de ouvir sugestões de arquitetos e grupos comunitários sobre áreas de proteção no sul de Manhattan.
O plano adotado desconsidera, por exemplo, a ideia, inspirada em uma experiência holandesa, de fazer obras que permitem inundações periódicas de áreas verdes, sem efeito catastrófico para as habitações.
"Se o governo não trabalha com moradores nem usa o conhecimento local acumulado, monta o cenário para conflito", afirma Galley. Sobre o prefeito Eric Adams, não exatamente um paladino verde, que tomou posse em janeiro e está sob intensa pressão para aliviar a alta de crimes violentos, o acadêmico soa diplomático. Diz esperar que ele considere a proteção ambiental uma prioridade.
 
Texto básico de Lúcia Guimarães, na Folha.

 
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