23/01/2022 às 06h49min - Atualizada em 23/01/2022 às 06h49min

​A LUZ OU A COMIDA?

22% TÊM QUE FICAR NO ESCURO!



A luz consome metade do orçamento dos 25% mais pobres. Dá pra aceitar uma coisa dessas?
A luz mais cara já força 22% dos brasileiros a atrasarem a conta para comprar comida!

A catadora de latinhas Valquíria Cândido da Silva, 47 anos, moradora de uma casinha no Grajaú, zona sul de São Paulo, com o marido e quatro filhos. Tem renda familiar de R$ 2.000 - naturalmente, teve de deixar de pagar a conta de luz para fazer a compra de alimentos do mês.
Antes da pandemia, a fatura de energia, não passava de R$ 60, mas este mês já bateu R$ 370 . E a conta de água espirrou de R$ 30 para R$ 200 no mesmo período.

"A conta não para de subir e está tão alta que tive de adiar o pagamento para poder ter o que comer em casa", disse ela.
"Não paguei a água e cortei outros gastos também, como roupa e lazer. Trabalho para as contas. Os meninos estão na escola, temos gastos com eles, e, por isso, estou economizando em quase tudo", disse.
Ela já planeja um fogão a lenha para evitar pagar mais de R$ 100 por um botijão de gás. Também pensa em captar água de chuvas para lavar roupas e tomar banhos de bacia.

Valquíria faz parte do grupo de 22% dos brasileiros que, diante da alta explosiva das tarifas de energia e água, estão trocando o pagamento da conta de luz pela compra de alimentos básicos, como arroz e feijão.

Pesquisa feita pelo IPEC para o iCS (Instituto Clima e Sociedade), entre 11 e 17 de novembro de 2021, com 2.002 pessoas com 16 anos ou mais em todas as regiões do país, mostrou que o aumento da energia comprometeu, em média, metade do orçamento de um quarto dos brasileiros de baixa renda (até cinco salários mínimos — hoje, R$ 6.060).

No geral, quatro entre dez brasileiros reduziram despesas deixando de comprar roupas, sapatos e eletrodomésticos para pagar a luz - e a população de baixa renda foi a que mais contribuiu com esse resultado.

Os cortes de despesas foram mais severos no Nordeste e no Centro-Oeste, onde um em cada quatro habitantes (28% e 27%, respectivamente) atrasou o pagamento para poder ir ao supermercado.

Em Brasília, Ivânia Souza Santos, 38, ainda não sabe como conseguirá pagar a conta de luz. Ela está desempregada e morava com o marido e três filhos pequenos em uma ocupação próxima ao Palácio do Planalto, mas foram expulsos com outras famílias.

Graças ao auxílio mensal de R$ 600 pago pelo governo do Distrito Federal, ela alugou um apartamento pequeno —quarto e sala— de um prédio em Itapuã, bairro afastado da capital.

No edifício que agora moram, três unidades compartilham um mesmo medidor de luz e dividem as despesas. "Em outubro, o governo parou de pagar e, agora, não tenho como quitar essa conta", disse Ivânia.

Ela conta ter pedido um empréstimo a uma amiga para saldar o aluguel. "Com o que sobrou eu comprei mantimentos. A conta de luz está atrasada."

O fornecimento só não foi interrompido porque os outros o pagamento e Ivânia ficou devendo a eles.

Consta que a conta de energia subiu demais porque faltou chuva e isso fez o 2021 entrar para a história como o ano mais seco dos últimos 91 anos - o que  reduziu o volume de água nas hidrelétricas.

Desde o início do ano passado, o governo autorizou com mais regularidade a contratação de energia produzida por termelétricas movidas a diesel, carvão e outros combustíveis fósseis que cobraram mais de R$ 2.000 o MWh (megawatt-hora), quase dez vezes o preço de referência.

O governo também permitiu a importação de energia da Argentina e do Uruguai por preços similares.

O resultado dessa política para o consumidor foi uma alta na tarifa duas vezes acima da inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), de acordo com o iCS.

Isso cálculos sem levar em conta as bandeiras tarifárias e as medidas para contornar a crise hídrica que, em ano eleitoral, serão deixadas como herança para o próximo governo, segundo o físico Roberto Kishinami, coordenador sênior de energia do instituto...

Em média, a luz (tarifa mais impostos) subiu 1,32 vez mais que o IPCA durante os oito anos do governo Lula; 1,1 vez durante o governo Dilma; 2,4 vezes sob Michel Temer e duas vezes no governo Bolsonaro - o que dá uma luz no perfil de cada im...

Bolsonaro deixará um passivo superior a R$ 140 bilhões a ser repassado para os consumidores em 2023 —o que ficará sob a gestão do próximo governo.

Para os especialistas, o peso dessa política será maior para as famílias mais pobres. "Para os mais ricos, a conta, mesmo subindo mais do que a inflação, não compromete a renda familiar", disse Kishinami.

Em debate recente promovido pelo iCS, a economista Paula Bezerra, doutora em planejamento energético pela Coppe-UFRJ, afirmou que os 10% dos brasileiros mais ricos consomem 2,5 vezes mais energia que os 10% mais pobres.
Mas, para esses mais ricos, a conta representa 2% do orçamento familiar. Entre os mais pobres, pode comprometer até metade da renda - quando tem renda...

Para piorar tudo, querem aprovar uma lei que abre o mercado para a geração distribuída, mecanismo que permite a instalação de placas solares ou unidades geradoras em cada domicílio com a previsão de abatimento na conta caso o gasto seja inferior à produção de cada domicílio. Alguém acha que isso pode dar certo?
Esses equipamentos exigem investimentos e acreditam que será uma solução para que os consumidores de renda mais alta gerem sua própria energia, escapando dos custos da rede elétrica das distribuidoras. 
A conclusão é óbvia: com menos consumidores de maior poder aquisitivo rateando os custos do sistema elétrico nacional haverá uma sobrecarga ainda maior sobre os mais pobres. A luz ficará ainda mais cara para os mais pobres!!!

Especialistas dizem que a saída para evitar a escassez energética seria a criação de um programa de tarifa progressiva. 
A exemplo da proposta do Ministério da Economia, que pretende criar um Imposto de Renda que aumenta conforme a renda, esses técnicos defendem tarifas diferenciadas balizadas pelo ganho mensal das famílias. Existem propostas do gênero no Congresso, mas seguem paradas há duas décadas!!! Já pensou se falta luz no Congresso por duas décadas???!!!

É claro que o setor elétrico exige a correção dessas distorções. É uma necessidade urgente, diz o ex-diretor do ONS (Operador Nacional do Sistema), Luiz Barata, já que as dificuldades do consumidor de baixa renda são imediatas e não justificam planos que só olhem para o longo prazo.

O MME (Ministério de Minas e Energia) afirmou que a discussão sobre um novo modelo de tarifas está no projeto que trata da modernização do sistema elétrico e que os mais pobres não participaram do rateio do aumento de custos de geração. Meno male - mas... e até lá?

Por meio de sua assessoria, o MME disse que a, partir deste ano, a tarifa social será concedida automaticamente. Será? Alguma mente iluminada permitirá isso?

"Não será mais necessário solicitar à distribuidora", disse o ministério. "Atualmente, cerca de 12,3 milhões de famílias no Brasil recebem a tarifa social. Estimativas apontam que existam mais 11,5 milhões de famílias em condições de usufruir dos descontos."

É bom alguém acender uma vela na cabeça do governo...

Leia também na Folha.

 
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