08/11/2021 às 08h05min - Atualizada em 08/11/2021 às 08h05min

​BRASILEIRO VIVE DE BICO

E NÃO PODE ABRIR O BICO...

 
O “bico” está cada vez maior. Trata-se do trabalho precário, por conta própria, popularmente tratado por “bico”. Atualmente, avança a passos largos no país de Bolsonaro, como reflexo do desemprego elevado e do fraco desempenho da economia.
Entre o segundo trimestre de 2019 e o segundo deste ano, o número de brasileiros sem carteira assinada ou qualquer vínculo formal aumentou em mais de 2 milhões (DOIS MILHÕES!), com remuneração máxima de um salário mínimo por mês (R$ 1,1 mil). No segundo trimestre de 2019, a turma do bico representava 48,2% dos trabalhadores que atuavam por conta própria. Hoje, já é mais da metade, 55,6%.
 
A revelação é de estudo feito pela consultoria IDados a partir da PNAD Contínua do IBGE, com o objetivo de conhecer quem é o trabalhador por conta própria, praticamente a única forma de ocupação que cresce significativamente no País. É o informal que obtém remuneração a partir dos bens ou serviços que produz.
 
Atualmente, esse número chega a mais de 25 milhões de pessoas, ou 28,3% dos ocupados. No período analisado, 709,5 mil começaram a exercer atividade nessa condição. Também o número de brasileiros com curso superior trabalhando por conta própria cresceu no período – em 643,6 mil pessoas!!!
 
E tem mais. Para Ana Tereza Pires, pesquisadora do IDados, o aumento de mais de 2 milhões recebendo até um salário mínimo e o acréscimo de cerca de 700 mil trabalhando por conta própria, isso revela que, mesmo entre aqueles que já estavam nessa condição, boa parte passou a obter uma remuneração menor. “É a precarização ainda maior de um tipo de trabalho que sempre foi precarizado, em comparação com o trabalho com carteira assinada.”
 
Ela atribui esse movimento à pandemia (aquela ‘gripezinha’ de Bolsonaro). Com muitos brasileiros desempregados há mais de dois anos, mesmo os mais qualificados aceitam trabalhar ganhando menos para escapar dessa situação.
 
Sem opção, trabalhador ‘esquece’ diploma e aceita qualquer oferta. Como é o caso da estudante Natália de Cássia Pereira Lopes, que, em 2015, quando tinha 18 anos, começou a cursar a faculdade de Relações Internacionais. Seu sonho era ter um emprego com carteira assinada. Quatro anos depois, concluiu o curso e veio a frustração. “Fiquei dois anos (2019 e 2020) completamente desempregada e, com a pandemia, a situação piorou”, ela conta.
Em meados deste ano, Natália, que fala inglês e tem conhecimentos de espanhol, começou a trabalhar numa área totalmente diferente de sua formação: virou editora de vídeos. Mas é um trabalho por conta própria, sem carteira assinada e que garante R$ 1 mil por mês. Segundo ela, é muito pouco para cobrir as despesas próprias e ajudar a mãe nos gastos da casa. “Topei porque preciso de alguma coisa.” Se estivesse na área, acredita que ganharia R$ 2,5 mil, no mínimo.
 
A história de Natália, todos sabemos, não é única, longe disso. O economista da LCA Consultores, Bruno Imaizumi, afirma que, num cenário de crise, com inflação em alta, normalmente o trabalhador fica mais flexível para se reinserir no mercado. Desse modo, ele aceita ganhar menos do que recebia anteriormente ou do que deveria ser remunerado, de acordo com a sua categoria profissional.
Isso aumenta a precarização do trabalho, especialmente na condição de quem está por conta própria. “A qualidade do emprego em geral vem piorando: estamos tendo uma recuperação da quantidade de postos, mas, quando olhamos para a qualidade, há diversos indícios de piora e o avanço do trabalho por conta própria é um deles”, observa.
 
Fernanda Dias, de 37 anos, que vive em Porto Alegre, RS, tem uma história semelhante. Quando se formou, em 2015, queria seguir carreira em administração de empresas. Mas cinco anos de inúmeras negativas de emprego e a pandemia fizeram com que ela trabalhasse por conta própria, confeccionando máscaras.
Com isso, ela consegue tirar cerca de R$ 1 mil por mês. O que equivale a menos da metade da média salarial estabelecida pelo Conselho Federal de Administração para profissionais recém-formados na área.
 
Desemprego mais claro
Além do número crescente de pessoas com curso superior e também dos que recebem até um salário mínimo entre os que trabalham por conta própria, outra mudança de perfil captada pelo estudo da consultoria IDados, com base na PNAD Contínua do IBGE, foi o aumento da fatia de trabalhadores brancos. Eles representavam 40,2% dos trabalhadores por conta própria no segundo trimestre de 2019, e essa fatia subiu para 42,6% no mesmo período deste ano.
Ana Tereza Pires, pesquisadora da consultoria, diz que esse é um indicador que está relacionado com a qualidade do emprego. “Geralmente, os brancos ocupam os postos com maior estabilidade”, observa. Com o aumento do desemprego, parte se tornou trabalhador por conta própria.
 
Na opinião de Ana Tereza, ainda é cedo para afirmar que a precarização do trabalho é uma tendência. Já Imaizumi acredita que ela veio para ficar. Para resolver esse problema, que na sua avaliação é estrutural, seria preciso melhorar a qualificação da mão de obra e criar condições para que a economia volte a crescer e gerar oportunidades de trabalho, especialmente para os mais jovens e recém-formados.
 
Colocando preto no branco, o que todos precisam é de um país que derrote os efeitos da pandemia e, principalmente, que fique livre de Bolsonaro.
 
Leia mais no Estadão, que teve a colaboração de Jorge C. Carrasco e Bruno de Castro.

 
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »