04/10/2021 às 12h06min - Atualizada em 04/10/2021 às 12h06min

​NO BRASIL, PANDORA NÃO É MITO

1.897 BRASILEIROS CITADOS NESSE PARAÍSO


Pandora vem do grego. Sendo que ‘pan’ significa "tudo ou todo" e ‘doron’ significa "dom ou virtude". Poderíamos concluir que representa ‘virtude completa’, afinal Pandora foi a primeira mulher, foi criada por Hefesto, era dotada de todas as virtudes e tinha uma beleza inigualável.
No Brasil, pode representar ‘virtude completa dos paraísos fiscais’...

Descendo do mundo mítico para o dia a dia do nosso mundo, ficamos sabendo que os acionistas de 20 das 500 empresas que mais empregam no Brasil têm offshores em paraísos (ou pandoraísos?) fiscais. Ao todo, 25 acionistas ou donos de companhias como Prevent Senior, MRV Engenharia, Grendene e Riachuelo, entre outras, teriam inaugurado esses negócios com objetivos que iriam desde a compra de imóveis e iates até a economia de impostos e a proteção de suas fortunas contra crises políticas e econômicas do Brasil.

Uma colaboração jornalística organizada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (em inglês, ICIJ – International Consortium of Investigative Journalists), do qual o site Metrópoles faz parte, investigou, nos últimos meses, milhares dessas offshores, abertas principalmente nas Ilhas Virgens Britânicas, e cujos documentos foram entregues ao ICIJ por uma fonte anônima há cerca de um ano.

O resultado dessa investigação deu origem à série de reportagens Pandora Papers, que começa a ser publicada a partir deste domingo (3/10) por veículos como Washington Post, Le Monde, El País, The Guardian e BBC, entre outros. No Brasil, além do Metrópoles, também participaram da investigação o site Agência Pública, a revista Piauí e o site Poder 360.

É importante destacar que ‘offshores’ são empresas em paraísos fiscais e constituem instrumentos populares entre as pessoas mais ricas do mundo. Elas são criadas por motivos que vão desde economizar no pagamento de impostos — que seria tido como um drible fiscal, eufemisticamente chamado de eficiência tributária — até a proteção de ativos contra o risco político ou de confiscos, como o que ocorreu no Brasil em 1990. Por estarem localizadas em países com pouca transparência e fiscalização, as offshores também são usadas por quem quer ocultar patrimônio ou por corruptos ou por integrantes de organizações criminosas que desejam esconder dinheiro sujo. No Brasil, é permitido ter offshores, desde que declaradas à Receita Federal e, quando seus ativos ultrapassam US$ 1 milhão, ao Banco Central.
O ICIJ entende que revelar a existência de offshores de ricos e poderosos, mesmo quando não há crime envolvendo a sua criação, é prestar um serviço de interesse público, porque esse é um mecanismo de economizar impostos e proteger patrimônio exclusivo da elite econômica mundial. Em outras palavras, a maioria da população não tem dinheiro nem meios para abrir uma offshore.

Os brasileiros estão em destaque dentro desse clube exclusivo. Com 1.897 nomes, o país é o quinto com a maior quantidade de pessoas citadas na base do Pandora Papers, que conta com pelo menos 27,1 mil offshores. Constariam, nesse grupo, os donos das maiores empresas do Brasil, como os irmãos Andrea, Eduardo e Fernando Parrillo, donos do plano de saúde Prevent Senior; o dono do grupo Guararapes (Riachuelo) e quase candidato à Presidência da República em 2018, Flávio Rocha; os donos da Grendene, Pedro e Alexandre Grendene; o patriarca da família Menin, Rubens Menin, e seus filhos, donos da MRV, do Banco Inter e da CNN Brasil, entre outras empresas; e o dono da Rede D’Or, Paulo Junqueira Moll. Todos eles afirmaram ter declarado às autoridades brasileiras que são proprietários de offshores, o que é uma boa notícia.

Para chegar aos nomes, o Metrópoles solicitou ao Ministério da Economia a lista das 500 empresas brasileiras com a maior quantidade de funcionários. Depois, uma pesquisa desses CNPJs nas informações societárias públicas da Receita Federal elencou quem são os donos, diretores e conselheiros dessas empresas. Por fim, um último cruzamento identificou quais desses nomes tinham offshores com documentos no acervo do Pandora Papers.
As empresas dos brasileiros citados no Pandora Papers foram abertas por razões diversas, desde a compra de um barco e imóveis até a diversificação de portfólios de investimentos em contas em países como a Suíça e os Estados Unidos. Também houve quem abrisse a offshore para usar o cartão de débito de uma conta no exterior. Todos os 70 executivos e empresários foram contatados, seja por meio da assessoria de imprensa, seja por outros canais, para que informassem se declararam à Receita Federal e ao Banco Central a abertura da offshore e explicassem a razão de terem criado as empresas. Veja a seguir os detalhes sobre os casos envolvendo os dez primeiros nomes desta lista e na sequência a relação completa, dos 70 executivos.

Irmãos Parrillo (Prevent Senior)
A Prevent Senior, plano de saúde que tem rede própria de hospitais, entrou no foco da CPI da Pandemia devido a supostos estudos realizados pela empresa para, sem a autorização dos pacientes, avaliar a efetividade da cloroquina e de outros medicamentos contra a Covid-19. Os irmãos que controlam a Prevent Senior — Andrea, Eduardo e Fernando Fagundes Parrillo — figuram no banco de dados do Pandora Papers como detentores de quatro offshores: a Shiny Developments Limited, a Luna Management Limited, a Hummingbyrd Ventures Limited e a Grande Developments Limited. Juntas, totalizam quase US$ 9 milhões em ativos.
Em todos os casos, o dono da empresa é uma offshore localizada em São Cristóvão e Nevis, país que é um movimentado paraíso fiscal no Caribe, e que não informa quem são os donos de suas offshores. Os irmãos aparecem sempre como beneficiários, ou seja, as pessoas que efetivamente controlam a companhia. A manobra é comum, e muitas vezes seu objetivo é deixar mais opaca a propriedade de offshores. Beneficiários de offshores costumam alegar que não são donos, já que não detêm nominalmente as ações da empresa.
A Shiny e a Luna são ligadas a Andrea. Em formulário de atualização dos dados da companhia de 2018, a empresária informou que a Shiny foi criada para manter portfólio de investimentos e conta-corrente, ambos no banco Raymond James da cidade de Coral Gables, na Flórida. A offshore detém US$ 3,7 milhões em ações, títulos de dívida pública e participações em fundos mútuos, que são fundos de investimento que detêm uma série de ativos cujo rendimento é dividido entre seus cotistas. Os valores viriam, segundo o formulário preenchido dela, de rendimentos da Prevent Senior. De acordo com a descrição detalhada do objetivo da Shiny, ela receberia recursos “dos clientes no Brasil e transferiria os recursos para a conta pessoal de investimentos no Raymond James (Shiny Development)”.
Já a Luna Management detinha US$ 50 mil e serviria para movimentar dinheiro no Brasil e para uso de cartão de débito. A conta também é do Raymond James em Coral Gables.
A Hummingbyrd é ligada a Fernando e mantém, segundo os documentos do acervo do Pandora Papers, US$ 3 milhões em investimentos diversos, também em contas no Raymond James. O formulário da companhia, atualizado em janeiro de 2018, diz que ela serviria exclusivamente para investimentos.
A Grande Developments é de Eduardo e, segundo o formulário de atualização da companhia, de janeiro de 2018, também tem foco em investimentos, mantendo US$ 2 milhões em aplicações diversas no mesmo Raymond James. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Prevent Senior respondeu que “todas as movimentações são declaradas” às autoridades brasileiras.
Família Menin (MRV, Banco Inter, CNN Brasil)
Apesar do perfil discreto, a família Menin e principalmente seu patriarca, o bilionário Rubens Menin, têm aparecido mais, nos últimos anos, devido a operações empresariais com ampla repercussão, como a criação da CNN Brasil e os investimentos no time de futebol de coração de Menin, o Atlético Mineiro. As duas principais empresas da família são a construtora MRV e o Banco Inter.
A família Menin tem quatro offshores citadas nos documentos do Pandora Papers, que detêm pelo menos US$ 82,2 milhões em ativos. A primeira se chama Costelis International Limited e tem jurisdição nas Ilhas Virgens Britânicas, um dos principais paraísos fiscais do mundo. A empresa existe pelo menos desde 2016, quando suas informações foram atualizadas.
Para abrir a offshore, eles contaram com os serviços da Trident Trust. A empresa é uma das maiores companhias especializada em abrir offshores em paraísos fiscais no mundo e conta com clientes em todo o planeta. Para isso, ela tem mais de 900 funcionários que gerenciam fundos estimados em mais de US$ 35 bilhões. Ela também é a companhia com a maior quantidade de arquivos no Pandora Papers.
De acordo com o formulário enviado na ocasião à Trident Trust, a Costelis International detinha, em 2016, US$ 75 milhões em ativos. Esse valor corresponde ao barco de luxo Dokinha V e outros bens não especificados. O Dokinha, ancorada na Flórida, entre as cidades de Aventura e Fort Lauardale, tem 33 metros de comprimento — o tamanho de um prédio de dez andares. A embarcação, que está entre as 5 mil maiores do mundo, tem quartos capazes de acomodar até 10 passageiros.
Em 2016, quando as informações da companhia foram atualizadas, a Costelis estava exclusivamente no nome de Rubens Menin. Em 2018, as ações de parte da empresa foram distribuídas igualmente entre seus três filhos, João Vitor, Maria Fernanda e Rafael. Depois disso, não houve mais registros de mudanças na participação societária da Costelis.
No fim de 2019, foi aberto um CNPJ para a Costelis International no Brasil. O nome da empresa no Brasil ganhou um L adicional e se tornou Costellis International. Em 26 de dezembro de 2019, oito dias após a criação do CNPJ brasileiro, a MRV emitiu um fato relevante sobre a compra pela MRV da incorporadora americana AHS, que antes pertencia à família Menin. A operação mudou a estrutura de controle da companhia dos EUA, mas não os donos, que, em última análise, seguem sendo os Menin. Este fato relevante cita a Costelli, que foi usada na operação.
De acordo com o fato relevante, o “capital social [da Costellis] é integralmente detido por Rubens Menin”. Os dados presentes no banco de dados do Pandora Papers, entretanto, mostram que esse não é o caso. O documento datado de 21 de junho de 2018 evidencia a emissão de 11.907 ações da Costellis para cada um dos três filhos (com exceção de Rafael, que fica com 11.906). Sendo assim, não era correta a informação divulgada no fato relevante, de que Rubens Menin seria o único acionista da companhia.
Questionada sobre essa diferença entre o que foi informado ao mercado e o que mostram os documentos da Costellis, a MRV respondeu somente que a operação da offshore “está totalmente de acordo com as normas estabelecidas pela Receita Federal e pelos demais órgãos reguladores”.
Os documentos mostram ainda outra incongruência. A Conedi Participações, family office dos Menin — ou seja, a empresa criada para gerir os investimentos da família —, afirma, em seu site, que faz “toda a gestão financeira onshore e offshore da família, bem como a administração de seus principais ativos com foco na eficiência fiscal e tributária”. O site, entretanto, não cita a Costellis. Ela também não lista outras offshores de Rubens Menin, também citadas no Pandora Papers: a Remo Invest Limited e a Sherkhoya Enterprises Limited. A Remo Invest, também com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, detinha em 2017 US$ 10,225 milhões em ativos não especificados. Em 2014, uma outra offshore da propriedade de Rubens Menin, a Stormrider Investments, fundiu-se à Remo Invest. Não há informações sobre os ativos detidos pela Sherkhoya.
Leia no Brasil247 e leia a íntegra da reportagem no Metrópoles.
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