28/09/2020 às 10h48min - Atualizada em 28/09/2020 às 10h48min

MOEDA SOCIAL MUMBUCA

PREFEITURA DO PT DE MARICÁ DÁ EXEMPLO DE COMBATE À PANDEMIA

 
Maricá e Niterói dividem 98%  dos royalties do petróleo do poço Lula. Mas como nenhum outro município, provavelmente, soube repassar essa vantagem diretamente à sua população, principalmente nesses tempos de pandemia, com problemas para a economia nacional.
Além da moeda social Mumbuca, um exemplo com repercussão internacional, Maricá aumentou transferências e garantiu salário mínimo a informais. Tem exemplo melhor nesses tempos de eterna quarentena, em um país “conduzido” por Bolsonaro?

A Folha conta que o auxílio emergencial pago pelo governo federal aos brasileiros atingidos pela crise do coronavírus ajudou a cabeleireira e manicure Michele Melo, 43, a sobreviver durante a pandemia, mas representou a menor parcela dos rendimentos que sustentaram a sua família.
Michele ficou impedida de trabalhar por três meses por causa das medidas de distanciamento social, o marido está desempregado e casal ainda tem duas filhas. Mas ela pôde contar com ajuda substancial da prefeitura de Maricá (RJ), a cidade em que vive — ajuda maior até do que o auxílio do governo federal.
Como ela trabalha como autônoma, teve direito a receber da prefeitura, por seis meses, um benefício equivalente a um salário mínimo, R$ 1.045, além dos R$ 600 do auxílio emergencial pago pelo governo federal.

A experiência de Maricá chamou atenção de especialistas em políticas sociais durante a pandemia, em meio ao debate sobre o futuro do auxílio emergencial e aos planos do governo para criar um novo programa de transferência de renda para os brasileiros mais pobres.
Mas alguns dos fatores que permitiram a ampliação dos programas sociais da cidade são difíceis de copiar, porque poucos municípios podem contar com os royalties do petróleo, que representam 72% das receitas da prefeitura e atingiram R$ 2,5 bilhões no ano passado.

Ainda assim, o êxito dos programas de Maricá oferece lições para outras esferas de governo, diz o professor de economia da UFF (Universidade Federal Fluminense) Fábio Waltenberg, de um grupo que desenvolve um amplo estudo na cidade.
Waltenberg destaca a realização de um cadastro amplo dos moradores da cidade, que permitiu alcançar grupos mais vulneráveis da população e creditar os recursos em suas contas com agilidade na pandemia, sem o atropelo do governo federal na implementação do auxílio emergencial.

O programa de transferência de renda próprio de Maricá existe desde 2013, com transferência, para mais de 42 mil pessoas pobres, de um benefício mensal equivalente a R$ 130.
Os requisitos para receber a ajuda são semelhantes aos do auxílio emergencial, como renda familiar total de até três salários mínimos, e não há condicionalidades como as do Bolsa Família, que obriga as famílias a manter os filhos na escola e com as vacinas em dia.
Os benefícios do programa de Maricá são pagos à população em mumbucas, a moeda social que só pode ser usada dentro da cidade.
Os beneficiários dos programas de Maricá recebem o auxílio municipal em suas contas do Banco Mumbuca, um banco comunitário. Ele não pode ser sacado em dinheiro e circula na cidade na forma de um cartão pessoal ou com ajuda de um aplicativo de celular.
Durante a pandemia, o benefício de R$ 130 mensais por pessoa foi ampliado para R$ 300 por seis meses. Os beneficiários do programa podem acumulá-lo com os do governo federal, como o auxílio emergencial ou o Bolsa Família.
 
Isso tudo apesar da crise mundial nos preços do petróleo, que têm caído em função da crise do coronavírus. Na contramão do que se poderia esperar, Maricá tomou outras iniciativas para diminuir o impacto da crise. Além do auxílio de um salário mínimo para trabalhadores informais e autônomos como Michele Melo, o município paga um subsídio de um salário mínimo por três meses para funcionários de empresas com até 49 empregados, para evitar suas demissões.
Segundo os dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) divulgados pelo Ministério da Economia, Maricá manteve o número de empregos do setor formal da economia no nível pré-pandemia, com saldo líquido de 116 contratações.
 
No ano passado, o custo da Renda Básica de Cidadania, que teve o valor e o número de beneficiários ampliados antes da pandemia, foi de R$ 38 milhões, o que representou 1,5% da receita total do município.
Neste ano, seu custo deve alcançar R$ 65 milhões. Com os outros auxílios lançados durante a pandemia, o orçamento da secretaria responsável pelos programas de transferência de renda do município foi ampliado para R$ 245 milhões.
 
De acordo com dados do Banco Mumbuca sobre o uso da moeda social de Maricá no primeiro semestre deste ano, 58% das mumbucas em circulação foram usadas para comprar alimentos. Farmácias, serviços e o comércio varejista tiveram participação de 8% cada um nas vendas.
Michele Melo, que já retomou o trabalho em sua casa, diz que, com o auxílio emergencial e o benefício da prefeitura, recebe um pouco menos do que ganhava com seu trabalho antes da pandemia. Segundo ela, a demanda pelo seu serviço caiu pela metade.
“Com a ajuda do município, fiz mais compras no supermercado, para suprir as necessidades de casa. Com certeza absoluta estaria passando mais necessidade sem os auxílios”, afirma.

Durante a pandemia, com a ampliação dos programas municipais, o volume mensal de mumbucas injetados na economia de Maricá mais que dobrou. Até março deste ano, a movimentação média era de R$ 5,5 milhões por mês. A partir de maio, ela saltou para R$ 12,7 milhões por mês.
Como consequência dessa injeção de mumbucas na economia local, a quantidade de comércios cadastrados para receber a moeda social passou de 3,5 mil, em março, para 7,5 mil em agosto, um aumento de 112%.

Na estimativa do diretor do Banco Mumbuca, Joaquim Melo, esse número de estabelecimentos cadastrados representa 80% do total de comércios formais da cidade.
Entre os comércios que costumam não aceitar a mumbuca, de acordo com o diretor, estão os que são voltados à população de renda mais elevada e ao turismo, como restaurantes de luxo, e que não estão ligados diretamente ao consumo, como imobiliárias.

As transações em mumbucas são feitas na modalidade de débito — ou seja, o pagamento é depositado instantaneamente pelo banco na conta do estabelecimento, descontada uma taxa de 2%, semelhante ao que outras redes de pagamento cobram para a mesma modalidade.

Os beneficiários que não gastarem todas as suas mumbucas no mês podem mantê-las em suas contas do banco comunitário, mas, como tratam-se de contas simples, não há rendimentos. O banco também não cobra tarifas para manutenção das contas dos beneficiários e das empresas.
 
Claro que Maricá contou com a sorte de ter em sua costa o poço Lula de petróleo. Mas acima de tudo o que conta de verdade é a sabedoria da prefeitura essa grande sorte do município em benefício direto para a população mais pobre.
 
 
Leia também na Folha.

 
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