15/09/2020 às 07h29min - Atualizada em 15/09/2020 às 07h29min

​LEGAL OU ILEGAL?

HOLANDA NÃO QUER PERDER A CORRIDA DA MACONHA

 
Amsterdam é uma cidade muito simpática, cortada por canais e cheia de vida e arte, com museus inesquecíveis, como o Rijksmuseum ou Museu Van Gogh, para citar 2 dos mais conhecidos. Mas o que mais atrai o jovem turista para Amsterdam está no ar – o ar da maconha. O sucesso no comércio da maconha é tão grande que um dos partidos políticos – governista, aliás – já propôs a legalização da venda de ecstasy e outras drogas leves. Também já existe um plano-piloto para a regulamentação da produção de maconha em cinco regiões do país.
Há quem considere que o país está atrasado. Ludo Bossaert, fundador e dono do coffeeshop Paradox, um dos 164 locais em que é possível comprar e fumar maconha em Amsterdã, reclama: “Faz 29 anos que trabalho com algo que não é legal nem ilegal!”
 
Os coffeeshops recebem licença, pagam impostos e são fiscalizados. Não podem servir álcool nem atender menores de 18 anos, e a venda é limitada a 5 gramas por pessoa por dia. O estoque total de maconha não deve passar de 500 gramas. Acontece que esses coffeeshops vendem mais de dez tipos diferentes de erva e atendem de 400 a 600 pessoas por dia – como administrar isso???. “Preciso ter fornecedores garantidos e muito confiáveis, já que não posso reclamar à polícia se o produto for ruim”, diz Bossaert.
 
Há outros constrangimentos também. Por exemplo, ter que pagar ao traficante em dinheiro vivo e não ter controle das características da erva. “Estávamos na vanguarda desse mercado, agora estamos ficando para trás. Legalizar a produção permite estudar as ervas, selecioná-las, vender produtos melhores. O Canadá e os Estados Unidos estão ocupando esse lugar”, reclama Bossaert.
 
Se já é trabalhosa no Paradox, a logística é ainda mais complicada no Voyagers, coffeeshop e hotel inaugurado em 1996, que atende até 1.200 clientes em um dia.
Para manter cheias as latas de maconha sem estourar o limite de 500 gramas, o estabelecimento controla o estoque por um aplicativo visível pelo fornecedor, que faz várias entregas por dia.
 
O criminologista e consultor holandês Tim Boekhaut Von Solinge, cujo doutorado compara políticas europeias nessa área, diz que “a guerra contra as drogas ainda vai entrar para a história como um grande erro de percurso da humanidade”. Segundo ele, o experimento social realizado na Holanda já mostrou que permitir (ou tolerar) a venda não aumenta o consumo.

Em Portugal também. A descriminalização não elevou o consumo e a porcentagem de usuários de drogas no país está abaixo da média europeia.
O vereador lisboeta Manuel Grillo considera que o país ganharia com a regulamentação da produção e da venda de maconha em Portugal: “A erva deixaria de ser vendida no mesmo circuito que as outras drogas, potencialmente mais perigosas”. Na Câmara de Lisboa, já há até cálculo da receita em impostos e da economia de recursos que hoje vão para a repressão ao tráfico e poderiam ser investidos em outras áreas.
 
Solinge considera que raciocínio econômico faz sentido. “A economia das drogas é uma das maiores do mundo, e está totalmente informal e ligada ao tráfico de armas, destruindo muitos países. Por que deixar esse dinheiro na mão dos criminosos?”. Para ele, bem realista, já está claro que “os humanos gostam de se intoxicar às vezes”, e passou da hora de fazer isso com mais ganho para a sociedade.
 
O inglês Axel Klein concorda: “Estamos apenas levando adiante uma política de drogas que herdamos em 1920, sem base científica ou médica. Uma política que até hoje não teve sucesso, mas continuamos repetindo”.
 
A perspectiva de abertura, porém, preocupa o EMCDDA (Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência), que registrou entre 2006 e 2017 um aumento de 76% na procura de tratamento pelo uso da maconha nos 24 países europeus onde há dados disponíveis. O número de pacientes toxicodependentes de maconha ou haxixe chegou a 155 mil no continente em 2017, segundo o centro. Mas ninguém pode esquecer a famosa lei seca, nos Estados Unidos, estabelecida em 1920 e que durou 13 anos. O efeito causado pela lei foi totalmente contrário do que era esperado. “Ao invés de acabar com o consumo de álcool e com os problemas sociais, entre outros problemas, a lei gerou a desmoralização das autoridades, o aumento da corrupção, explosões da criminalidade (lembram do Al Capone?) em diversos estados e o enriquecimento das máfias que dominavam o contrabando de bebidas alcoólicas. O ponto de encontro das pessoas que queriam beber eram bares clandestinos localizados no subterrâneo, com o objetivo de não chamar atenção”.
 
Em outras palavras, a sociedade precisa aprender a lidar com as drogas, sem se deixar levar pelas drogas da lei.
 
Leia também na Folha e na Wikipédia.

 
 

 
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