30/06/2020 às 09h02min - Atualizada em 30/06/2020 às 09h02min

KI KOISA!

A KRISE EM K AKABA KOM O TRABALHADOR, MAS NÃO AKABA KOM O KORONAVÍRUS


A economia não é uma ciência exata, mas os economistas - com razão - tentam de tudo para que ela seja. E mostram isso em suas especulações sobre como será a saída da crise em que nós e o mundo estamos vivendo. Para exemplificar, usam três letrinhas, o “V”, o “L” e o “K”.
  • Saída pelo “V” - essa é a saída do “vai e volta” ou “queda e recuperação”. Ou seja, estamos todos em queda, mas vamos todos nos recuperar, o mundo voltará a ser o que era. Oba!
  • Saída pelo “L” – uma saída que não pode ser considerada como saída, representa queda e estagnação. É o pior dos mundos. Tô fora!
  • Saída pelo “K” – a saída que amplia a desigualdade do mundo, os mais ricos ficarão ainda mais ricos e os mais pobres ficarão mais pobres.  
Infelizmente, a economia não se restringe a letras mortas. São letras que apontam para o mundo real que vem por aí. E o texto de Fernando Canzian, na Folha dessa segunda-feira, dia 29, é bem didático. Em resumo:
Não podemos esquecer duas coisas: 1) o isolamento social atingiu em cheio o setor de serviços, repleto de vagas precárias e salários baixos; e 2) a avalanche de dinheiro barato dos bancos centrais tem chegado com mais facilidade às grandes empresas e provocado a rápida revalorização de ativos como ações.

Segundo o Banco Mundial, 70% do emprego nos países em desenvolvimento são informais; e em um terço dessas economias, 4 em cada 10 trabalhadores (40%, portanto) cairiam imediatamente na pobreza se deixassem de trabalhar.
Mas o pior não é isso. O aumento da distância entre pobres e ricos na recuperação da economia não se limitará às pessoas. Ele deve se dar também entre países.
Com mais poder de fogo para financiar pacotes de ajuda a empresas e consumidores, as economias avançadas aumentarão a distância relativa sobre os países mais pobres, sobretudo daqueles muito endividados. Começa a perceber o que vem por aí?
 
A desvalorização das moedas dos países emergentes deve piorar esse efeito, limitando a importação de tecnologia para elevar a produtividade no futuro.
É aí que o Brasil pode ser bastante afetado.
O nosso país tem a maior dívida pública como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) entre os grandes emergentes e tem dois terços das vagas de trabalho no setor de serviços, a maior parte delas de trabalho informal.
Só entre janeiro e março deste ano - com apenas 1/6 do período afetado pelo isolamento social -, a metade mais pobre do país perdeu 6,3% de sua renda do trabalho na comparação com o último trimestre de 2019, segundo a FGV Social. Enquanto isso, os 10% que estão no alto ganharam 0,8% a mais.
Os efeitos do isolamento em abril e maio foram ainda mais devastadores para os serviços, e certamente terá aprofundado a desigualdade de rendimentos.
Ao contrário dos trabalhadores informais, os trabalhadores com carteira (que ganham 40% mais do que os sem registro) tiveram um pouco de proteção no programa do governo que permitiu a redução de jornada e salário ou a suspensão temporária de contratos, que incluiu 10 milhões de trabalhadores.
Para os informais, restou a ajuda de R$ 600 por três meses, que pode ser estendida por um pouco mais de tempo, mas provavelmente com valor menor diante da falta de espaço fiscal do Tesouro.
Como resultado da deterioração do mercado de trabalho e do crescimento ridículo que já tinha antes da crise, o Brasil poderá ficar, na recuperação econômica pós Covid-19, atrás de 89% dos países de uma lista de 192 (mais ou menos na posição 170!!!), segundo o Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Os trabalhadores informais (que não puderam trabalhar durante o isolamento) e os mais pobres (que consomem boa parte da renda com alimentação) também estão sendo penalizados pela inflação.
Neste ano, os preços dos alimentos tiveram alta de 3,7% até maio, com os produtos da cesta básica subindo acima do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).
No Brasil e no exterior, os pacotes bilionários de ajuda a empresas também devem aprofundar a desigualdade, já que estão chegando com mais rapidez e em maiores quantias aos negócios que já dispõem de melhores condições.
Nos Estados Unidos, o Comitê Conjunto de Tributação do Congresso estima que 82% das companhias que serão beneficiadas por isenções tributárias no Cares Act - o plano de combate aos efeitos do coronavírus - faturam mais de US$ 1 milhão anuais. Ao todo, elas ganharão incentivos de US$ 195 bilhões em dez anos.
Na contramão, somente 5% das empresas beneficiadas faturam menos de US$ 200 mil, embora elas existam em número maior do que as grandes. Isso é apenas mais um retrato instantâneo do mundo em que vivemos.
 
Graças à ajuda sem precedentes de US$ 3 trilhões em benefícios fiscais e dinheiro novo a consumidores e empresas, os preços de algumas ações em Nova York não só recuperaram os níveis pré pandemia como foram além, sobretudo na área de tecnologia.
Combinados ao aumento de liquidez sem precedentes em vários países, os juros pagos pelos bancos centrais encontram-se em níveis historicamente baixos - incluindo o Brasil, que acaba de reduzir a Selic a 2,25% ao ano.
Os investidores mais ricos, que normalmente carregam portfólios mais variados, como ações, vêm se beneficiando indiretamente da fuga do dinheiro do mercado de renda fixa e juros baixos para aplicações de risco - o que explica a recuperação das bolsas.
Essa enorme liquidez também tem levado gigantes como a Amazon a tomar bilhões de dólares no mercado de títulos corporativos pagando os menores juros já registrados. Mas para as médias e pequenas empresas, o mercado tem se tornado até mais restritivo.
 
O aumento da desigualdade nos Estados Unidos deve ocorrer também pela via do mercado de trabalho.
Antes da pandemia, o país ostentava desemprego de apenas 3,5%, o que começava a gerar ganhos salariais para os trabalhadores na metade mais pobre da população.
Havia ainda diminuição nas taxas de desocupação entre brancos e negros e estreitamento da diferença salarial entre os dois grupos - de um terço atualmente.
Após o tombo histórico de abril por conta da pandemia, a economia americana criou 2,5 milhões de vagas em maio, e o desemprego cedeu de 14,7% para 13,3%.
Os rendimentos, porém, não acompanharam a recuperação - e o desemprego entre os negros, ao contrário, subiu 0,1 ponto, para 16,8%
Na Europa, onde a desigualdade interna nos países é relativamente menor do que nos Estados Unidos e na China, a pandemia deve aprofundar as diferenças salariais entre empregados formais e informais e entre os que puderam trabalhar em casa e os que não tiveram essa chance.
Países como Espanha, Itália e Grécia, com maior dependência no setor de turismo, também devem ser mais afetados.
As diferenças entre o norte e o sul da Europa devem se aprofundar, reforçando os efeitos destrutivos da crise financeira da década passada, que resultou em menor espaço fiscal para os países mais endividados (e menos ricos) socorrerem suas economias agora.
A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) estima que até o final de 2021 o mundo terá visto a maior perda de renda dos últimos cem anos, com a exceção dos dois períodos de guerra mundiais.
Para aliviar os efeitos desse empobrecimento, o órgão propõe que os países mantenham ativos programas de ajuda a trabalhadores e empresas. Mas a tendência é que eles sejam maiores e mais duradouros justamente nos países que já são mais ricos hoje.
O aumento da desigualdade e os efeitos a longo prazo da crise devem ser particularmente severos sobre os mais pobres, especialmente na África e na América Latina.
As Nações Unidas preveem que a pandemia jogará cerca de 420 milhões de pessoas de volta à extrema pobreza em todo o mundo, aumentando ainda de 135 milhões para 265 milhões o total de habitantes no planeta que voltarão a sofrer períodos de fome crônica.
Se isso se confirmar, será um retrocesso imenso em uma tendência positiva que vinha dos anos 1980, quando o total de miseráveis no mundo passou a encolher consistentemente de 43% da população para cerca de 10% até antes da pandemia. O Brazil poderá ter uma crize em Z...

Leia também na Folha

 
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »