04/06/2020 às 19h55min - Atualizada em 04/06/2020 às 19h55min

​O RACISMO, DUAS HISTÓRIAS E DOIS DESTINOS

MIGUEL ESTÁ MORTO E A MENINA DOS ESTADOS UNIDOS NA LUTA PELA VIDA


O racismo mata, fere, marca e revolta. Nesta quinta-feira, duas crianças negras são destaques nas redes sociais. A menina dos Estados Unidos emociona ao participar das manifestações pedindo justiça para George Floyd, torturado e assassinado por um policial, semana passada, em Minneapolis. Deve ser da mesma idade da filha do homem negro assassinado pelo racismo policial. E lá vai ela, com passos firmes nos protestos contra o racismo que tomam conta das ruas americanas há mais de oito dias. E a menininha americana manda o recado: “Sem Justiça, sem paz”. Quem será ela? Por que tão pequena, com a máscara abaixada, ela está ali? Não é perigoso? Questionam os internautas. Outros dizem que a imagem arrepia, que a menina é guerreira e que ela já é emponderada. 
Recife, Pernambuco, Brasil. Terça-feira, 2 de junho. Um menino negro, de 5 anos, vai trabalhar com a mãe, empregada doméstica, porque ela não tem com quem deixar o filho, em plena pandemia. A patroa pede para a empregada levar o cachorrinho para passear na rua. O filho da empregada fica com a dona da casa. Ele teria começado a chorar. A patroa coloca o menino no elevador, sozinho, para encontrar a mãe. Mas ele se perde no prédio de luxo, chega ao nono andar de onde caiu de 35 metros de altura, porque na área da casa de máquinas não tinha tela de proteção. O menino ainda chegou a ser socorrido, mas não sobreviveu.

Miguel Otávio Santana da Silva, tão pequeno  como a menininha dos Estados Unidos, nem teve tempo para protestar contra o preconceito e se impor diante do racismo que as elites insistem em afirmar que não existe no Brasil, que é coisa da “esquerda”. A mãe, Mirtes Renata Santana da Silva teve que ir à TV para dizer o nome da patroa, porque nem isso tinham divulgado: Sari Gaspar Corte Real, mulher do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker, do PSB, município muito procurado pelos turistas. “Se fosse eu, meu rosto estaria estampado, como já vi vários casos na televisão. Meu nome estaria estampado e meu rosto estaria em todas as mídias. Mas o dela não pode estar na mídia, não pode ser divulgado”, denunciou Mirtes, em entrevista à TV Globo.
A polícia autuou Sari por homicído culposo, quando não há intenção de matar,  por ter negligenciado ao permitir que Miguel subisse sozinho no elevador. A acusada pagou fiança de R$ 2O mil e vai responder o processo em liberdade. “Ela confiava os filhos dela a mim e à minha mãe. No momento em que confiei meu filho a ela, infelizmente ela não teve paciência para cuidar, para pegar ele pelo braço e tirar do elevador. Se fossem os filhos dela, eu tiraria”, indignada, lamentou Mirtes Santana da Silva.
A repercussão do caso Miguel foi enorme. Pelo Twitter, o deputado federal Tulio Gadelha (PDT-PE) alertou. “Se iludem os que acham que a #JustiçaPorMiguel será feita com facilidade. As famílias Corte Real e Hacker são famílias tradicionais da política pernambucana com muito poder e influência nas instituições. Vcs verão que Pernambuco ainda vive sob o comando de oligarquias familiares”. 
 A ex-candidata a vice-presidente da República, Manuela D'Ávila (PCdoB-RS) questionou, lamentando. “Miguel, querido Miguel. Eu olho pra você e penso que você tinha a idade da Laura. O que fez com que você entrasse naquele elevador aos prantos, procurando sua mãe? O que fez com que você não fosse acolhido como minha filha é cada vez que chora quando me acompanha no trabalho?”
“ Eu sinto dor. A notícia da morte do menino Miguel é devastadora. Retrato da desigualdade, de como são tratadas as vidas negras, de como o racismo é entranhado de forma mesquinha. À Mirtes, mãe, preta e doméstica, minha solidariedade. Miguel, presente”, escreveu o deputado federal Walmir Assunção (PT-BA) . Internautas também reforçaram os protestos contra a desigualdade social “ Racismo, desigualdade social e reacionarismo. Um Brasil onde cachorro de madame não pode ficar sozinho mas criança negra sim”.
A hastag #JustiçaPorMiguel esteve entre as mais comentadas do Twitter. Nessa sexta-feira, 5 de junho,  a manifestação em protesto contra a morte de  Miguel vai ser nas ruas do Recife, bem em frente ao prédio onde o menino morreu. O povo do Recife também se levanta contra o racismo. Miguel presente! 
#VidaNegrasImportam
#BlackLivesMatter
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