27/07/2019 às 07h35min - Atualizada em 27/07/2019 às 07h35min

MORO NÃO SABE SE É JUIZ OU SE É MINISTRO



Ministros e parlamentares avaliam que Moro extrapolou suas funções ao quebrar sigilo de operação da PF
 
O envolvimento do ministro da Justiça, Sérgio Moro, na nova etapa da operação Spoofing, que prendeu quatro supostos hackers nesta semana, aumentou a pressão de parte do STF (Supremo Tribunal Tederal) e do Congresso para ser dada resposta à atuação do ex-juiz da Lava Jato.
Ministros da Corte e parlamentares da cúpula da Câmara e do Senado avaliam que Moro extrapolou os limites de sua competência como ministro de Estado ao indicar que teve acesso a dados de uma investigação sigilosa da Polícia Federal.
Moro tornou-se ministro da Justiça com carta branca para combater a corrupção. Mas não tem conseguido avançar.
 
A provável quebra do sigilo do inquérito e o possível abuso de autoridade iniciaram um processo de desestabilização. Políticos e magistrados já dizem que a sua permanência no governo Bolsonaro ficou insustentável e defendem que ele se afaste do cargo até a conclusão das investigações.
"Moro está confundindo de vez o papel do juiz com o de ministro. Diferentemente do que disse na câmara, de que acompanhava a investigação apenas como vítima, ele deu sinais de que comanda a investigação ao violar o seu sigilo (da investigação). A lei de abuso de autoridade está na berlinda", disse à folha o líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL).
 
Já se discute a convocação de Moro para dar explicações ao Congresso sobre o seu acesso ao inquérito. A ideia é que Moro seja provocado a responder como e em quais condições obteve a lista de autoridades hackeadas — já que, na condição de ministro, ele não poderia ter ingerência sobre investigações da PF.
 
Parte dos congressistas também defende a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação de Moro e cobrar que ele diga, claramente, se viu o conteúdo das mensagens hackeadas.
 
Integrantes da base do governo no Congresso tentam contornar o assunto, dizendo que Moro apenas cumpriu seu papel como ministro da Justiça e, consequentemente, comandante da Polícia Federal.
"Moro agiu motivado por excesso de cautela e zelo. Ao tomar conhecimento de que autoridades de todos os poderes haviam sido vítimas, o ministro expressou sua preocupação", disse o senador major Olímpio, líder do PSL na Casa.
No Supremo, a avaliação é a de que, mais cedo ou mais tarde, o tribunal terá que se manifestar sobre a atuação de Moro —seja no caso da Spoofing ou à frente dos processos da Lava Jato em Curitiba.
Os magistrados lembram que a Corte pretende retomar, em agosto, assim que acabar o recesso do judiciário, o julgamento da alegada suspeição de Moro no julgamento do caso do tríplex de Guarujá (SP), que levou Lula à prisão.
Políticos e magistrados disseram que, ao entrar em contato com autoridades para informá-las que estavam na lista de alvo dos ataques, o ministro invocou para si superpoderes e, de acordo com um parlamentar, criou uma relação de chantagem implícita com o mundo político e jurídico.
 
As possíveis consequências do vazamento de mensagens entre Moro e Deltan
 
O site The Intercept Brasil divulgou diálogos que mostram que Sergio Moro e Deltan Dallagnol discutiam processos em andamento e comentavam pedidos feitos à Justiça pelo Ministério Público Federal quando integravam a Força-Tarefa da Lava Jato. Na quinta (25), depois de Moro avisar autoridades vítimas de hackers que as mensagens capturadas pelo grupo preso pela polícia federal seriam destruídas, os presidentes do Supremo, ministro Dias Toffoli, e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), demonstraram incômodo com a abordagem do ministro.
Os dois relataram a aliados que, diante da gravidade do caso, Moro deveria ter usado a via institucional para comunicar formal e oficialmente. A maneira como Toffoli e Maia foram contatados e o imediato vazamento das conversas causaram incômodo generalizado no Supremo e no Congresso.
Logo após as ligações de Moro, discutiu-se a possibilidade de os partidos de Centro se unirem à Oposição para ingressar com uma ação no Supremo contra a eventual destruição das mensagens captadas pelos hackers. Ficou decidido, então, que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) faria a representação à Corte.
Nessa sexta (26), em petição endereçada ao juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do Distrito Federal, a OAB solicita que ele não autorize a destruição das provas.
No documento, o presidente nacional da OAB, Felipe santa cruz, diz que a indicação de Moro de que as mensagens seriam destruídas "atenta contra a competência do Supremo Tribunal Federal", "que pode eventualmente ser chamado a apreciar os fatos, uma vez que há possíveis autoridades atingidas pela invasão sujeitas a prerrogativa de foro, como no caso de ministro do Superior Tribunal de Justiça".
Moro telefonou para o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio Noronha, para comunicar que ele estava na lista dos alvos do grupo preso na última terça (23) e que as mensagens capturadas seriam destruídas.
 
Veja frases de Moro durante sessão no Senado
"O que posso assegurar é que, na condução dos trabalhos de juiz no âmbito da operação Lava Jato, sempre agi conforme a lei", disse Moro, em sessão na CCJ do Senado para explicar conversas vazadas.
 
Noronha afirmou à Folha que a informação foi dada pelo próprio ministro por telefone. A comunicação foi confirmada à reportagem pela assessoria de Moro.
O descarte de qualquer material apreendido em operações policiais é uma decisão que cabe à Justiça e só pode ocorrer com decisão do juiz.
O gesto de Moro provocou reação imediata. A polícia federal afirmou, por meio de nota, que caberá à justiça, "em momento oportuno, definir o destino do material" apreendido na operação.
Também nesta sexta, o PT e o PDT ingressaram com ações no STF contra Moro. O documento dos petistas é assinado pela presidente do partido, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), e pelos líderes da sigla na Câmara e no Senado, Paulo Pimenta (RJ) e Humberto Costa (PE).
Eles classificam como espantoso o fato de "o ministro da Justiça ter acesso a dados de uma investigação sigilosa recém-instaurada pela Polícia Federal".
O PT diz que o ex-juiz cometeu crime de abuso de autoridade e de violação de sigilo funcional, além de querer destruir provas da Spoofing.
"Por estar à frente do ministério da Justiça e não mais na cadeira de juiz, Sérgio Moro não possui qualquer ingerência sobre investigações da Polícia Federal. Moro agiu em flagrante abuso de autoridade."
"A medida de aniquilamento de provas colhidas no contexto de uma investigação não pode ser tomada pelo ministro da Justiça, autoridade do poder Executivo", diz a ação do PDT, que tem o ex-ministro Ciro Gomes como um dos advogados que a subscrevem.

Leia também na Folha.
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