13/07/2019 às 11h32min - Atualizada em 13/07/2019 às 11h32min

FLIP RECEBE AMEAÇAS


A importância da Flip – Feira Literária de Paraty para a cultura é inegável. Mas simplesmente isso tornou-se mais do que suficiente para ser alvo de ameaças fascistas. Dois relatos sobre a última sexta em Paraty, de Carmen Célia Tazinato e Paula Corrêa.

SOBRE ESTA NOITE DE SEXTA EM PARATY

Carmen Célia Tazinafo

A Flip é a maior Festa Literária do Brasil. Há muitos anos venho e trabalho. Mergulho nesse universo maravilhoso da poesia, das artes e da escrita tendo a oportunidade de contato direto com autores(a). É um afago na alma, sobretudo em tempos de desalento. Ninguém vem para a Flip e volta para casa do mesmo jeito que chegou a Paraty. A sensibilidade aqui se eleva ao quadrado e dá uma vontade imensa de ter a mente e o coração maravilhoso das poetas(o). Seres iluminadas(o)!
Em 5 dias de evento com a participação de escritores do mundo inteiro, o público debate, ouve seus autores preferidos e recebe os lançamentos mais prestigiados.
Mas confesso que o inusitado desta sexta feira me deixou em profunda apreensão: o que vem por aí?
Querem acabar com a Flip por ser um espaço anual retumbante do pensamento crítico e livre?
As três da tarde grupos com bandeiras verdes e amarelas chegaram na praça. A música absurdamente alta saía das caixas de som em uma camionetona amaroc bolsonarista estacionada estrategicamente na rua lateral. A partir daí, o grupo de umas 30 pessoas não parou mais de tocar hinos das forças armadas. Hino nacional, da bandeira, do soldado e a música do pavão misterioso, novo símbolo da extrema-direita que nos atormenta com seus mitos cibernéticos e ridículos. 
A polícia cercou a praça. Motociclistas com uniformes do exército estavam ali e não se sabia se era para marcar presença ao lado deles ou nos barrar a entender o porquê de chegarem com o barulho atrapalhando a programação. Por que estavam fardados? Coisa de polícia ou de milícia?
Pois foi o que aconteceu. A polícia que deveria proteger para que a Flip transcorresse sem problemas deixou que aquela micareta fascista chegasse até o Centro Histórico de Paraty, onde estão as tendas principais e se posicionasse na frente do canal.
O alvo do protesto deles estava do outro lado em um barco livraria preparado para as mesas de debates da Flipei (Festa Literária Pirata das Editoras Independentes), o espaço das editoras independentes. As 19h, quando Glenn Greenwald e Gregório Duvivier chegaram de barco e uma multidão já os esperava para o principal evento da noite, a micareta amarelada além do som estridente, começou a soltar fogos.
Vaiamos muito. Rimos com Gregório.
Aplaudimos Glenn que detonou o conluio de Moro e Lava Jato.
Enquanto isso o protesto bolsonarista continuava. Começaram a soltar rojões na direção do barco Flipei. Felizmente as bombas não chegavam até o barco.
Houve até um princípio de tumulto.
Só queria entender por que a direção da Flip não exigiu da PM que acabasse com aquela palhaçada, já que atrapalhava não só a Flipei mas a programação oficial inteira? A Flip tem patrocinadores, verbas internacionais e movimenta o mercado editorial global, então por que um grupelho extrema-direita pode cumprir sem problemas o propósito de tumultuar?
Resistimos e foi lindo!
Mas fica a pergunta para a direção do maior evento literário do país: tudo é permitido em verde e amarelo, até estragar a Festa? Isso não tem nada a ver com democracia. Democracia é o que estamos ameaçados a perder se a moda micareta pega ao arremedo da lei.
Este ano estragam a festa. Ano que vem não tem mais Flip, é isso?
 

“VAGABUNDOS, VÃO TRABALHAR”: COMO UMA TURBA BOLSONARISTA TENTOU CALAR GREENWALD EM PARATY.
Paula Corrêa



Como se os cavalos de Paraty fossem bem tratados
Não bastassem os cavalos de Paraty estarem mal tratados, serem explorados por um turismo cafona de charretes, charretes essas que também quebram no meio do caminho porque também sofrem com os maus cuidados, Paraty também guarda em seu âmago uma aprovação de “quase 100%” ao governo Jair Bolsonaro, como me disse o recepcionista da pousada em que estou hospedada.
Essa mesma cidade que recebe eventos literários, de jazz e de fotografia produziu hoje uma cena digna do próximo filme da Petra Costa. Divididos pelo rio Perequê-Açu, cerca de 30 manifestantes pró-Bolsonaro jogavam fogos e ligavam o som no último volume para abafar as vozes da mesa do Barco Pirata, da programação paralela da Flip, que recebia um certo jornalista.
Durante a fala deste jornalista, chamado Glenn Greenwald, que estava ladeado por Gregorio Duvivier e Sérgio Amadeu, eles cantavam o hino nacional numa nova versão funk, e lançavam seus fogos de artifício numa diagonal baixa, muitas vezes quase em cima do público que estava do lado esquerdo do rio para assistir e ouvir ao que os participantes diziam.
Conseguiram até abafar o som.  Mas os membros da mesa falaram até o fim, até que os manifestantes por Bolsonaro também empunharam o microfone e gritaram: “Vagabundos, vão trabalhar”.
Uma mulher paratiense nos disse que, se fosse um baile funk, a Polícia já os teria silenciado, sendo que eles estavam tocando funk (no caso, o hino nacional).
Os cavalos de Paraty deveriam mesmo ser mais bem cuidados. Essa é uma máfia que ninguém consegue desmontar e enfrentar. Tirando os paratienses que são muito acolhedores, podemos dizer que, no geral, os cavalos cabisbaixos e de pêlo ralo, sem guarida nenhuma, são os melhores habitantes de Paraty.

Ler também no DCM
Glenn Greenwald no Twitter ao som de estampidos.
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