A Operação Lava Jato do Brasil deveria derrubar a cultura de corrupção do país. Em vez disso, trouxe a corrupção para o coração do estado.
Nos últimos cinco anos, essa investigação federal revelou amplos esquemas de propinas envolvendo os executivos e políticos mais importantes do Brasil. A operação levou a processo criminal 429 pessoas, sendo condenadas 159 delas. As agências de notícias cobriram avidamente cada etapa da investigação, pressionando e elogiando a derrubada de uma cultura de corrupção na política brasileira. A investigação deveria, em teoria, ser uma fonte de orgulho para essa jovem democracia - só que essa não é bem a história.
Desde o início, a Operação Lava Jato recorreu a procedimentos questionáveis, como usar detenções preventivas para forçar confissões e confiar demais em acordos generosos de barganha. Mas isso não pareceu suficiente para descartar seus esforços contra a corrupção em grande escala, pelo menos aos olhos do público.
Então, no dia 9 de junho, o site de notícias The Intercept Brasil publicou o primeiro de uma série de reportagens lançando dúvidas sobre a integridade dos principais atores da investigação. Os jornalistas obtiveram, de fonte anônima, um arquivo imenso de comunicações em texto privados, trocados pelo serviço de mensagens Telegram, entre promotores federais e o juiz principal da Operação Lava Jato, Sergio Moro.
As mensagens vazadas mostram que Moro frequentemente ultrapassou seu papel de juiz - alguém que deveria ser imparcial e livre de preconceitos - para atuar como consigliere (“conselheiro”) da acusação. Ele ofereceu conselhos estratégicos aos promotores: eles deveriam, por exemplo, inverter a ordem das várias fases da investigação; pensar novamente sobre uma moção específica que eles estavam planejando arquivar; acelerar certos processos; desacelerar muitos outros. Moro passou informações sobre uma possível nova fonte para a promotoria; repreendeu os promotores quando demoraram demais para realizar novos ataques; endossou ou desaprovou suas táticas; e forneceu-lhes conhecimento antecipado de suas decisões.
As revelações lançaram nova luz sobre a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, determinada por Moro, em 2017. (No Brasil, os julgamentos por júri são restritos a crimes contra a vida, como homicídio e infanticídio. Em outros casos criminais, o mesmo juiz que supervisiona a investigação é também aquele que julga.) O político de esquerda, que governou o país de 2003 a 2010, está atualmente preso, tendo sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele foi considerado inelegível para concorrer à presidência precisamente no momento em que as pesquisas mostraram que ele era o favorito na corrida de 2018. A conveniente detenção de Lula preparou o caminho para a eleição do candidato da extrema-direita Jair Bolsonaro, que gentilmente nomeou Moro como ministro da Justiça do Brasil.
De acordo com o material publicado pelo site de notícias The Intercept Brasil, no decorrer da investigação, Moro se envolveu em questões de cobertura da imprensa e se preocupou em obter apoio do público para a acusação. “O que você acha dessas declarações malucas do comitê nacional do PT? Nós deveríamos refutar oficialmente?”, ele perguntou ao promotor federal Deltan Dallagnol, referindo-se a uma declaração do Partido dos Trabalhadores de Lula, na qual a acusação era considerada uma perseguição política. Observe o uso da palavra “nós” - como se o Sr. Moro e o Sr. Dallagnol estivessem no mesmo time.
Isso tudo é, claro, altamente imoral - se não totalmente ilegal. Não viola nada menos que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz: “Todos têm direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por um tribunal independente e imparcial, na determinação de seus direitos e obrigações e de qualquer acusação criminal contra ele”. De acordo com o Código de Processo Penal do Brasil, os juízes devem ser árbitros neutros e não podem dar conselhos a nenhuma das partes em um caso. Moro também violou muitas disposições do Código Brasileiro de Ética Judicial, particularmente uma que diz que o juiz deve manter “equidistância das partes”, evitando qualquer tipo de comportamento que possa refletir “favoritismo, predisposição ou preconceito”.
Quando os vazamentos foram relatados pela primeira vez, a força-tarefa Lava Jato e o Sr. Moro não contestaram a autenticidade do material, argumentando, em vez disso que as mensagens não mostravam “qualquer sinal de anormalidade ou orientação do magistrado”. Ele também expressou indignação com a “falta de indicação da fonte da pessoa responsável pela invasão criminosa dos celulares dos procuradores” - mesmo que as razões do The Intercept para não divulgar sua fonte sejam óbvias.
Depois de alguns dias, porém, o Sr. Moro mudou de estratégia. Ele começou a questionar a autenticidade das mensagens, que, em sua opinião, poderiam ter sido adulteradas. Durante uma audiência no Senado em 19 de junho, em uma aparente tentativa de confundir a nós ou a ele mesmo, ele tentou as duas explicações ao mesmo tempo: se uma certa mensagem “é autêntica”, ele disse, “mesmo que seja autêntica, o conteúdo é absolutamente legal. Não há problema com esse tipo de declaração. Se essa mensagem é totalmente autêntica. Como eu disse, não lembro se há três anos enviei uma mensagem dessa natureza”.
(A propósito, meu trecho favorito do material vazado é uma troca de mensagens entre Moro e Dallagnol. Na mensagem, Dallagnol informa a Moro que apresentou uma petição como um movimento estratégico, mas que não é essencial”. "Moro”, diz Dallagnol, ”pode sentir-se livre, é desnecessário dizer, para negar a petição”. Admiro a polidez do promotor aqui, que não quer parecer muito agressivo e até oferece ao juiz a escolha de julgar livremente, desta vez.)
Além da colaboração legal do Sr. Moro, os textos também revelam outros delitos, como o fato de os promotores terem discutido estratégias para impedir que Lula dê entrevistas da cadeia antes das eleições, já que isso poderia ajudar o candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad.
Tudo somado, os vazamentos revelam um juiz imoral, que se uniu a promotores eleitoreiros, a fim de prender e condenar indivíduos que já consideravam culpados. Sua única dúvida era a melhor maneira de fazer isso.
O conteúdo chocante dessas trocas de “favores” pode dar aos advogados de defesa novos fundamentos para apelar de condenações. No ano passado, os advogados de Lula recorreram à Suprema Corte e exigiram um novo julgamento, argumentando que Moro não foi imparcial; as mensagens vazadas foram adicionadas à petição, fortalecendo o caso.
A Ordem dos Advogados do Brasil pediu a suspensão dos envolvidos no escândalo, dizendo, em um comunicado escrito, que “a gravidade dos fatos não pode ser desconsiderada, exigindo uma investigação completa e imparcial”.
Mas quase um mês se passou desde os primeiros relatórios do The Intercept. Efetivamente, nada foi feito.
E por incrível que pareça, Sergio Moro ainda é o ministro da Justiça.