01/11/2021 às 14h07min - Atualizada em 01/11/2021 às 14h07min

​BRASIL EM SINTONIA COM O MUNDO!

SEM BOLSONARO, CLARO...


 
 
O texto a seguir é do jornalista, consultor e assessor da bancada estadual do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo, Edmundo M. Oliveira, publicado originalmente na Folha de São Paulo.
 
O Brasil tem um encontro marcado com Luiz Inácio Lula da Silva em 2 de outubro de 2022, mas também com o antipetismo, que vai para a disputa com o pé quebrado.
 
Se sobreviver como candidato até lá, Jair Bolsonaro será o canto do cisne de um tempo que machucou o mundo, mas acabou. A extrema direita a que ele deu voz e as fake news continuarão por aí, mas o seu reinado de antipolítica e ódio esgotou-se.
 
Por todo lado, os candidatos “antissistema” e de extrema direita fazem água. Se o marco da sua derrota foi o fracasso de Donald Trump nos Estados Unidos, o ponto de inflexão aconteceu há duas semanas nas eleições para prefeito da Itália, quando a coalizão de extrema direita —Matteo Salvini e sua Liga, Giorgia Meloni e seu Irmãos da Itália, Berlusconi e sua Força Itália— perdeu feio nas maiores cidades italianas, 9 em 10.
 
Como na Alemanha do redivivo partido social-democrata, o vitorioso SPD de Olaf Scholz, renasce na Itália o Partido Democrático do prefeito eleito de Roma, Roberto Gualtieri, sucedâneo do histórico PCI (Partido Comunista Italiano). Há uma onda rosa, porque de centro-esquerda, rondando o mundo.
 
Ela dará as suas caras por aqui nas eleições de 2022 e é grande o suficiente para reembalar tanto o petismo quanto o antipetismo. Para o primeiro, é uma segunda chance de ganhar e se renovar; para o segundo, é tempo de se depurar ou perder a alma, caso continue grudado ao bolsonarismo.
 
O PT tem o desafio de dizer qual o seu projeto de país, não bastando os ecos do passado. Os anti-PT, que projeto de país têm para além do disco furado das reformas de um neoliberalismo em crise aberta no mundo.
 
Esposadas por Michel Temer e o grosso das elites no golpe do impeachment de 2016, tais reformas, no campo trabalhista, só fizeram destruir o emprego formal e dar fôlego à selvageria de um modelo contratual via aplicativos que o mundo todo tenta controlar.
 
Além de ser dramaticamente desigual, no topo do ranking mundial dos países de pior distribuição de renda, o Brasil é tragicamente disfuncional. O grande desafio nacional nasce daí: como torná-lo um país mais funcional e muitíssimo menos desigual?
 
Esse desafio é de todos e não só de Lula e das esquerdas.
 
A agenda iniciada por Temer ainda é dominante, mas já deu o que tinha que dar. Com ou sem Paulo Guedes, não trará o país de volta ao crescimento. Só que tornar a crescer é indispensável. Do reequilíbrio fiscal à distribuição de renda, tudo passa por aí. Para crescer, o que falta é lastro, e não âncora. Pois navegar é preciso.
 
A constitucionalização do teto de gastos públicos feita pela emenda constitucional 95 prometeu ancorar expectativas e conter os gastos públicos, trazendo também uma suposta agenda de desenvolvimento. De fato, só fez coibir o papel do Estado e deprimir o investimento público. A agenda da “Ponte para o Futuro” morreu aos pés do crescimento pífio de 1,8% do PIB em 2018.
 
Para completar, a pandemia desarrumou o país e as cadeias produtivas no mundo, com inflação, crise energética e renovadas pressões ambientais.
 
A sopa indigesta de Paulo Guedes, Bolsonaro e seus 6.000 militares em cargos públicos trouxe as 600 mil mortes da pandemia, inflação alta, queda na renda familiar, metade da força de trabalho convivendo com desemprego e emprego precário, aumento da pobreza e volta da miséria. O Estado mergulhou ainda mais em uma crise fiscal que resulta da falta de crescimento, e não da falência do “Estado gastador”.
 
A experiência mostrou à esquerda que, para ganhar eleições e governar com alguma estabilidade, convém agregar forças políticas e sociais além do seu círculo. O desafio hoje é reunir o maior consenso possível em torno de uma agenda que supere a rigidez do teto de gastos e torne o crescimento sustentável.
 
Lula tem estrada rodada nisso, pois já provou ser capaz de promover crescimento e reformas com equilíbrio fiscal. A política como ela é, não criminalizada, voltou a ser insubstituível. Lula é âncora política, mas pode também ser o lastro para a economia deslanchar.
 
O que falta? Nos governos do PT, ficaram evidentes duas realidades. De um lado, a compreensão pragmática de Lula de que a disciplina fiscal pode doer, mas não impede o crescimento. De outro, as incompreensões e o voluntarismo do período da ex-presidente Dilma Rousseff, em que a lassidão fiscal anaboliza, mas mata o crescimento.
 
Como a política não perdoa, todos os dedos foram apontados injustamente para Dilma e seus erros, como se não existissem a crise europeia de 2011-2012, Eduardo Cunha e as pautas-bomba, Moro e o lavajatismo, Aécio e o golpismo, a rua exaltada e insuflada por um jingoísmo caricato e o pato amarelo.
 
Desde então, o silogismo tratou de inculcar nas pessoas a ideia de que, como Dilma é Lula e Lula é PT, nada do PT presta. Deriva daí também a suprema falsificação de dizer que os extremos se igualam. Interessa emplacar a falácia de que a chamada terceira via é pura como a lira dos arcanjos.
 
Como esta última não decola, perguntam por aí: um governo Lula 3 será como o da primeira metade do Lula 1, “responsável”, ou o da segunda em diante, “gastador”? Esse simplismo fica ainda mais gritante diante dos dados revelados nesta Folha no último sábado (23) sobre a queda da desigualdade social entre 2002 e 2015. Afinal, que outro presidente, pelo menos desde 1988, ombreia Lula em mais investimento e poupança, criação de empregos, melhoria da educação e redução da pobreza?
 
Para Lula, o que falta é dar pistas mais claras de que será, como afirma, capaz de “colocar o pobre no Orçamento e o rico no Imposto de Renda”, sem que isso seja uma quimera de “frente de esquerda” ou um discurso pouco mais que genérico. Afinal, como ele mesmo diz, confiança e previsibilidade são requisitos do bom governo.
 
Assim chegamos às questões da disfuncionalidade e da desigualdade. Muitos são céticos quanto à capacidade de o Brasil fazer uma ampla e saneadora reforma tributária, Lula inclusive. Têm certa razão, já que uma das principais propostas em pauta no Congresso é, em essência, o projeto de reforma do governo Lula de 2008, que visava criar um só Imposto de Valor Adicionado (IVA). Em 2008, o então governador José Serra, do PSDB, fez de tudo para impedir essa reforma, no que acabou sendo bem-sucedido.
 
Na base do cálculo político de Serra —não dar ao PT os louros da vitória da tão desejada reforma tributária—, havia uma realidade chamada guerra fiscal. Com abates e isenções de ICMS, São Paulo se defendeu promovendo a substituição tributária, em que um ganho imediato do Tesouro estadual implica uma perda de longo prazo do mesmo.
 
A substituição é eficiente para pegar a cadeia de fornecedores do grande contribuinte, mas é ineficiente ante uma ampla camada de contribuintes que opera abaixo do radar do Fisco. Ela também implica uma ciranda de bondades que, no caso paulista, tira do orçamento mais de R$ 20 bilhões por ano, ou cerca de 13% da arrecadação de ICMS na pré-pandemia. Resultado: informalidade e iniquidade.
 
Além da disfuncionalidade tributária, a regressividade pune os mais pobres e os remediados, sem estimular o investimento. Por isso, o sistema tributário precisa ser reformado tanto no imposto sobre a renda como sobre propriedade.
 
O Brasil pune o investimento da pessoa jurídica e premia com isenção de lucros e dividendos a pessoa física do investidor. Também tributa muito fracamente a propriedade nos três níveis federativos.
 
Bolsonaro só fez trapalhadas neste campo e em nada contribuiu para que fossem superados os maiores obstáculos à reforma: os benefícios concedidos na guerra fiscal e o temor dos Estados ante possíveis perdas de arrecadação e investimento.
 
Na nova onda rosa que se forma no mundo, de menos desigualdade e mais equilíbrio ambiental, temos ainda em primeiro plano uma agenda urgente a reconstruir. A permissividade do governo Bolsonaro diante da destruição acelerada da Amazônia e do cerrado agravou o evidente ressecamento do corredor de umidade que faz chover e encher os reservatórios do Sudeste, onde está a nossa matriz energética hídrica.
 
O mesmo corredor de umidade que irriga e faz a força da agricultura de escala, mas também dá vida à agricultura familiar que põe arroz e feijão na mesa das famílias.
 
Estamos diante de uma emergência ambiental e não há outro caminho senão deixar de sermos párias, voltando ao protagonismo nesta matéria que o país já teve.​
 
O texto foi publicado originalmente na Folha de S. Paulo.
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