08/02/2021 às 08h03min - Atualizada em 08/02/2021 às 08h03min

​POVO NAS RUAS EM MIANMAR

PROTESTOS CONTRA O GOLPE MILITAR


Mianmar (antiga Birmânia) é um país do sudeste, com mais de 100 grupos étnicos, que faz fronteira com Índia, Bangladesh, China, Laos e Tailândia. Rangum, a maior cidade do país, conta com mercados movimentados, vários parques e lagos e o imponente pagode dourado Shwedagon, que contém relíquias budistas e data do século VI. Mas Mianmar agora tem outras “relíquias” – os tanques militares, que impuseram um golpe bastante impopular, uma semana atrás.

Multidões imensas de manifestantes marcharam por toda parte, em todo o país, na maior demonstração de desafio popular até agora a um golpe militar.
Da cidade de Putao, no Himalaia, às cidades na costa do Mar de Andaman, os manifestantes encheram as ruas no terceiro dia de manifestações contra a derrubada do governo democraticamente eleito de Aung San Suu Kyi (vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1991 e secretária-geral da Liga Nacional pela Democracia).

A maioria das manifestações foi pacífica, mas, na capital, Naypyidaw, a polícia lançou jatos de água contra os manifestantes.
A televisão estatal transmitiu na tarde desta segunda-feira, 8 (lá são 9 horas e 30 minutos mais tarde que Brasília), uma declaração não assinada alegando que o povo de Mianmar se recusou a aceitar transgressores sem lei, que deveriam ser prevenidos ou removidos, e que medidas legais deveriam ser tomadas contra atos que prejudicaram a estabilidade do Estado, da segurança pública e do Estado de Direito. Os textos de sempre, nos golpes...

Na maior cidade do país, Yangon, um grupo de monges com túnicas cor de açafrão marchou com trabalhadores, professores e estudantes. Eles eram centenas de milhares e hastearam bandeiras budistas multicoloridas ao lado de bandeiras vermelhas na cor da Liga Nacional para a Democracia de Aung San Suu Kyi.
“Libere nossos líderes, respeite nossos votos, rejeite o golpe militar”, dizia um cartaz. Outros diziam “Salve a democracia”. Os manifestantes gritaram slogans e ergueram a saudação com três dedos, um gesto usado por ativistas pró-democracia na vizinha Tailândia, que sinaliza oposição aos militares em Mianmar.
 
Alguns grupos menores se separaram do protesto principal e se dirigiram ao Pagode Sule (um tipo de torre com múltiplas beiradas, comum na China, no Japão, nas Coreias, no Nepal), um antigo ponto de encontro para grandes protestos contra as juntas militares.
 
Kyaw, 58, dono de uma pequena loja que protestou durante o levante de 1988, pediu o fim do golpe. “Há tantos jovens educados aqui, esta é uma revolução da nova geração”, disse ele.
Thiri, 23, sentou-se com seus companheiros manifestantes durante uma marcha pelo NLD no centro de Yangon. “Somos jovens lutando pela democracia e contra o golpe militar”, disse ela. “Eles devem libertar Daw Aung San Suu Kyi... Quando os militares cortaram as redes sociais e a internet, tomar as ruas era a única coisa que podíamos fazer.”
“Nunca há necessidade de militares para governar um país”, disse Zaw, 40, um guia turístico que passou quatro meses na prisão por participar da Revolução do Açafrão em 2007. “Espero tanto que isso traga mudanças”, disse ele, exibindo a onipresente fita vermelha dos manifestantes.

Centenas de pessoas se reuniram na segunda maior cidade de Mianmar, Mandalay, no meio da manhã, enquanto outras marcharam na cidade costeira de Dawei, no sudeste, e na capital do estado de Kachin, no extremo norte, onde se vestiram de preto da cabeça aos pés.
Os apelos para se juntar aos protestos e apoiar uma campanha de desobediência civil ficaram mais altos e mais organizados desde o golpe de segunda-feira passada, que atraiu ampla condenação internacional.
Na manhã desta segunda-feira, as pessoas bateram em potes e frigideiras e soaram as buzinas de seus carros em Yangon, um símbolo de oposição ao golpe militar. O protesto barulhento geralmente ocorre à noite.

Uma convocação para uma greve geral foi feita na noite de domingo por vários grupos ativistas em Yangon, mas não estava claro se ela foi amplamente divulgada ou adotada pelo movimento de desobediência civil organizado informalmente na linha de frente dos protestos.

Os protestos que varreram o país no domingo foram os maiores desde a Revolução Açafrão de 2007, liderada por monges budistas que ajudaram a promover reformas democráticas que foram derrubadas pelo golpe de 1º de fevereiro.

“Manifestantes de todos os cantos de Yangon, por favor, venham em paz e participem da reunião do povo”, postou o ativista Ei Thinzar Maung no Facebook, usando redes VPN para reunir manifestantes, apesar de uma tentativa da Junta de banir a rede de mídia social.

Até agora, a resposta às manifestações tem sido não violenta, ao contrário das repressões sangrentas durante os protestos generalizados anteriores em 1988 e 2007. Um comboio de caminhões militares foi visto passando por Yangon na noite de domingo, levantando temores de que isso poderia mudar.

O governo suspendeu a proibição da internet que durou um dia inteiro no fim de semana, o que gerou ainda mais raiva em um país que temia retornar ao isolamento e ainda mais pobreza que havia antes do início da transição para a democracia em 2011.
Os ativistas Maung Saungkha e Thet Swe Win postaram em suas páginas do Facebook que a polícia tinha ido procurá-los em suas casas, mas que eles não estavam lá e ainda estavam livres.

Além dos protestos de rua, teve início uma campanha de desobediência civil, com médicos, alguns professores e outros funcionários do governo.

“Solicitamos que funcionários do governo de todos os departamentos não compareçam ao trabalho a partir de segunda-feira”, disse o ativista Min Ko Naing, um veterano das manifestações de 1988 que deram destaque a Aung San Suu Kyi.
Ela ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1991 por fazer campanha pela democracia e passou quase 15 anos em prisão domiciliar durante décadas de luta para acabar com quase meio século de governo do exército.
Ela enfrenta acusações de importação ilegal de seis walkie-talkies (!!!!!!) e está detida pela polícia para investigação até 15 de fevereiro. Seu advogado disse que ele não teve permissão para vê-la.

“Os manifestantes em Mianmar continuam a inspirar o mundo à medida que as ações se espalham por todo o país”, disse Thomas Andrews, relator especial das Nações Unidas para Mianmar, no Twitter. “Mianmar está se levantando para libertar todos os que foram detidos e rejeitar a ditadura militar de uma vez por todas. Nós estamos com vocês."

Leia também em The Guardian.

A Reuters também contribuiu.
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