29/11/2020 às 11h24min - Atualizada em 29/11/2020 às 11h24min

AFINAL, QUAL A ORIGEM DO CORONAVÍRUS?

A CHINA CONTINUA A BUSCA.


Faz quase um ano da identificação, feita por médicos, dos primeiros casos de uma nova doença preocupante na cidade chinesa de Wuhan. Nesse tempo todo, a China continua investigando a origem das origens da CoronaVirusDisease 2019 – ou Covid-19. O país parece até mesmo estar intensificando uma campanha para questionar as origens desta pandemia global.
 
A mídia chinesa tem relatado muito sobre a descoberta do coronavírus em embalagens de alimentos congelados importados (não considerada significativa de infecção em outros lugares) e sobre pesquisas de possíveis casos da doença encontrados fora das fronteiras da China antes de dezembro de 2019.
O jornal chinês Diário do Povo afirmou em um post no Facebook, na semana passada, que "todas as evidências disponíveis sugerem que o coronavírus não começou em Wuhan, na China central".

“Wuhan foi onde o coronavírus foi detectado pela primeira vez, mas não onde ele se originou”, disse Zeng Guang, ex-epidemiologista-chefe do Centro Chinês para Controle e Prevenção de Doenças. Um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, questionado sobre relatos da mídia estatal de que o vírus se originou fora da China, disse apenas que era importante distinguir entre onde Covid-19 foi detectado pela primeira vez e onde cruzou a barreira de espécies para infectar humanos.
“Embora a China tenha sido a primeira a relatar casos, isso não significa necessariamente que o vírus se originou na China”, disse Zhao Lijian. “O rastreamento da origem é um processo contínuo que pode envolver vários países e regiões.”
Cientistas chineses até enviaram um artigo para publicação no Lancet - embora ainda não tenha sido revisado por pares - que afirma que "Wuhan não é o lugar onde houve a transmissão Sars-CoV-2 de humano para humano pela primeira vez", sugerindo que o primeiro caso pode ter sido no “subcontinente indiano”.
 
As afirmações de que o vírus teve origens fora da China são pouco consideradas pelos cientistas ocidentais. Michael Ryan, diretor do programa de emergências de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse na semana passada que seria "altamente especulativo" argumentar que a doença não surgiu na China. “É claro, de uma perspectiva de saúde pública, que você começa suas investigações onde os casos humanos surgiram pela primeira vez”, disse ele em uma entrevista coletiva em Genebra. Mas é claro também que a primeira identificação do vírus não significa obrigatoriamente que ele teve origem aqui e agora.
 
Já circularam na Itália relatórios da Covid no outono de 2019, mas que parecem "fracos" para o professor Jonathan Stoye, virologista do Instituto Francis Crick em Londres. “Os dados sorológicos da Itália podem provavelmente ser explicados por anticorpos de reação cruzada dirigidos contra outros coronavírus”. Em outras palavras, os anticorpos encontrados nos casos na Itália poderiam ter sido desencadeados em indivíduos infectados por diferentes coronavírus, não ​​pelo Covid-19.
 
“O que parece certo é que os primeiros casos registrados da doença foram na China”, acrescentou Stoye. “Portanto, é mais provável que o vírus tenha se originado na China”.
E embora traços de coronavírus tenham sido encontrados em embalagens de alimentos congelados, os cientistas acreditam que isso representa um risco muito baixo de uma doença que agora se acredita ser transmitida de forma esmagadora por gotículas respiratórias.
Um teste positivo "não indica vírus infeccioso, apenas que algum sinal do vírus está presente naquela superfície", disse Andrew Pekosz, da Escola Bloomberg de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins à AP. “Não vi dados convincentes de que Sars-CoV-2 em embalagens de alimentos representa um risco significativo de infecção.”
Mas, à medida que aumenta o número de vítimas humanas e econômicas da pandemia, Pequim, naturalmente, faz questão de proteger sua reputação no país e no exterior. A Covid-19 já infectou mais de 60 milhões de pessoas e matou quase 1,5 milhão. Só no Brasil, já foram mais de 6 milhões de casos e mais de 170 mil mortes – enquanto a China teve números bem menores, 86.512 casos e 4.634 mortes.
 
Desde que se recuperou da devastação de seu próprio surto inicial, a China tem buscado reforçar sua posição no exterior com ajuda médica.
Agora também está promovendo várias vacinas em estágio final de desenvolvimento como parte de sua contribuição para o “bem global”, oferecendo ajuda na fabricação e financiamento de iniciativas de imunização. Mas inacreditavelmente há um ressentimento com o papel de Pequim no desencadeamento da pandemia que pode, em última instância, ser mais difícil para a China combater do que a própria doença.
 
"A China ainda está lutando para lidar com o fato de ser considerada responsável pelo ‘pecado original’ do surto, que prejudica praticamente todos os esforços para salvar sua imagem", disse Andrew Small, um acadêmico chinês e membro sênior do German Marshall Fund, um thinktank dos Estados Unidos.
“Os últimos meses mostraram o impacto catastrófico que a pandemia teve para a China na opinião pública internacional.”
Ele não acredita que haja qualquer dúvida nas mentes da alta liderança chinesa sobre a origem do vírus e vê o foco em relatar possíveis origens alternativas como uma campanha de propaganda. O que é óbvio - a luta contra percepções negativas é tão forte contra a luta contra o próprio vírus.
 
Pequim promoveu seu enorme sucesso na erradicação virtual da doença e na devolução da vida dentro de suas fronteiras ao normal. Internacionalmente, os objetivos da China provavelmente incluem a introdução de algumas dúvidas para o público global, que provavelmente acreditará, transformando fatos básicos em uma “questão politicamente sensível” nas relações com Pequim, disse Small. Questiona-se o questionamento da China sobre a origem do vírus em Wuhan e argumenta-se que poderia ser mais confiável se ela apoiasse uma investigação independente sobre a doença. Obviamente os chineses temem manipulações ocidentais sobre os resultados, tanto quanto as autoridades as ocidentais temem o contrário.


Os investigadores da OMS que visitaram Wuhan no início deste ano não puderam visitar o mercado de alimentos relacionado com o surto inicial. Espera-se que uma nova equipe vá à China em breve para dar continuidade ao trabalho inicial de uma equipe chinesa, mas eles ainda não têm uma data para viajar, com a OMS dizendo que eles viajarão "no devido tempo".
 
É claro que compreender as origens da Covid-19 é vital para os esforços de prevenção da próxima pandemia. Infelizmente, por enquanto, essa resposta depende de posicionamentos políticos internacionais.
 
“O que estamos vendo no momento é indicativo de onde o governo chinês deseja que tudo isso chegue - e esse lugar certamente não é um esforço aberto e responsável para determinar o que deu errado e garantir que nunca aconteça novamente”, disse Small, em uma conclusão carregada de miopia política. Ou esperteza política – nunca se sabe...
 
Leia também no The Guardian e no Diário do Povo.
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